31.12.08

tempo já vivido mal vivido ou sem sentido

Tendo em conta que não mandei mensagens de ano novo feliz, triste, esperançoso, taciturno ou qualquer outra coisa que o valha, a ninguém, fica aqui a minha contribuição para essa legião supersticiosa que acha que se não disser não acontece.
Era bom era.

RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

CDA

E agora eu mais o meu ano novo cochilante vamos tratar de lavar a roupa suja do ano velho, que não primou pelo asseio, e receber o primeiro de janeiro sem merdas nem poeiras debaixo dos tapetes. Até p'ra o ano.

27.12.08

Doce misogenia

Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança p'ra chorar o meu perdão, qual o quê! Diz p'ra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida p'ra agradar meu coração. E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado, como vou me aborrecer? Qual o quê! Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro os meus braços p'ra você.

17.12.08

pergunta

Como é que te deixou de bater o coração?
Foto: Ana Franco

incisão

Ler angústias nossas na folha de um livro escrito por outro punho é um dos meus mais requintados prazeres. É um aconchego que se senta ao nosso lado sem paternalismo e nos diz: eu sei. Não aquela festa na cabeça e um been there, done that que não deixa de dar um tom de desprezo pela nossa majestática dor, é um olhos nos olhos, um discreto, um mexer de lábios quase sem som: eu sei. Se há uma coisa para a qual deixei de ter paciência, com a mesma convicção com que se abandona um vício, é para seres que se acochilam no nosso ombro ou oferecem o seu já usado, para desabafar tristezas. Como se isso resolvesse alguma coisa. Se eu tiver uma bola de ténis entalada a meio do esófago durante semanas tossir um bocadinho não ma vai tirar de lá. É necessário uma esofagotomia com sangue e entranhas ao ar para começar a resolver o problema. E isso faz-se em local privado e reservado, é só precisar o local da incisão.

9.12.08

Instinto

Depois de explicar a Ilíada e a Odisseia, depois de descrever Aquiles, Heitor, Ulisses, pergunto: percebeste porque é importante?

Resposta: Não.

Depois disto, vou ali à ponte 25 de Abril não para me atirar, mas para atirar ao Tejo em tom sacrificial toda esta geração de inscientes arrogantes que cospe na cultura que lhes corre nas veias como um filho mal educado na cara enternecida da mãe. Arre!

6.12.08

Meu

Ah, eu quero te dizer

Que o instante de te ver

Custou tanto penar

Não vou me arrepender

Só vim te convencer

Que eu vim pra não morrer