30.11.09

nos anos 20 pousava-se assim. tivesse eu metade do dramatismo do olhar da elinor e seduzia-me ao espelho todas as manhãs. em vez de evitá-lo a todo o custo.

here comes joni again

Às vezes lavramos em terras alheias o nosso sofrimento. Sabem melhor as palavras cuidadas e a voz seráfica da Joni Mitchell para dizer o que aperta as veias e acelera a corrente sanguínea. É uma urgência que não se diz. Fica presa à música certa por finas pinças e cabe a quem sente articulá-la cuidadosamente e compreendê-la, como quem ordena as peças de um puzzle.
Por outro lado, nestes momentos, a rapariga com chapéu-de-chuva é uma personagem que me entra muitas vezes pelas palavras dentro. Intromete-se no que quero dizer e metaforiza-se no que me (co)move. Ela fica ali, sozinha, chapéu aberto contra o céu, desafiando o pior temporal que venha e que a leve em voos de mary poppins pelo mundo fora. Gosto dela pela coragem e pelo círculo fechado que a envolve sempre. Pelo rosto velado e sério, pelos pés juntos e disciplinados. Nunca ninguém entrará naquele círculo e assim ela estará sempre segura, apenas entregue ao vento e à sua vontade que é da mesma madeira que ergue o mundo.

i wish i was her. like she is me.



(e entretanto chega a Joni, a cantar my old man, a tempestade passa e a menina do chapéu-de-chuva não voou)

25.11.09


dark souls need dark songs to live

I can't hold this stateAnymoreUnderstand meAnymoreTo tread this fantasyopenlyWhat have I doneOhthis uncertaintyIs taking me overI can't mould this stageAnymoreRecognize meAnymoreTo tread this fantasyopenlyWhat have I doneOhthis uncertaintyIs taking me overIs taking me overTo tread this fantasyopenlyWhat have I doneOhthis uncertaintyIs taking me overIs taking me overIs taking me overOh It's all overyeahOh
It's
all
over

14.11.09

pergunta-faca

Isto de andar às voltas com o que se passa cá dentro não é saudável de todo, disse o velho sentado no banco à adolescente que lhe propunha um jornal gratuito. Não quer o jornal? perguntou, confusa. Há muitos anos que tento compreender por que razão abandonei os meus objectivos tão cedo, se é que alguma vez me movi com eles no fim da rédea. Talvez até nunca sequer os tenha domesticado. A rapariga hesitou em ir embora ou aceitar o cargo de estranha ouvinte para que tinha sido subitamente eleita. Querer o mundo inteiro por dentro, não é como querer ser médico ou advogado. Não há anos de estudo que se possam estoicamente desfiar até chegar ao título. Não se sabe qual é o caminho, vadia-se na vida e no mundo à espera que a estrada debaixo dos pés se faça andante e nos mostre o que desejamos ver. É duro, é doloroso e deixa um amargo de boca que entra pela língua e emana pelo corpo todo. A rapariga já pousara os jornais e sentava-se lentamente a seu lado. Descobrir cedo que se é um homem sem rumo é triste, principalmente porque a insensatez adolescente ludibria-nos e faz-nos acreditar que não ter rumo é ter todos à disposição. Não é. Quis tudo porque não tinha nada. E continuo sem nada? podias perguntar-me, se pensasses. Tenho isto para te dizer: é alguma coisa. Tenho a voz. Tenho o que trago nas mãos que não é mais que a força que trago nos braços. Essas palavras que trazes aí impressas também dizem isto tudo que eu estou aqui a dizer, não há nada de novo. Pelo menos cá fora, não há nada de novo, mas depois há o cádentro, dentro de cada um, a vida secreta de cada um é um universo paralelo. Essas palavras têm vidas secretas dentro que se translêm quando fechamos o jornal e deixamos dois minutos para pensar naquilo. A rapariga olhava-o sem compreender. Não podes compreender o que te digo, reconheces o som das palavras mas desconheces a lógica que as une. Que não é sintáctica, é vivencial. Contra isso nada se pode. A rapariga baixou os olhos, corada e ainda mais confusa formulou a pergunta possível: nunca foi feliz? O velho olhou-a magoado, levantou-se e foi-se embora. Deixou-a sozinha com a pergunta que tinha tanto de ingénua como de faca afiada. Caminhou com as mãos nos bolsos, cabisbaixo e a desejar nunca mais encontrar ninguém na vida.

7.11.09

you stupid girl

you pretend you're anything, just to be adored.

ou nos anos 90 a shirley chamava as coisas pelos nomes

2.11.09

sing it back

Hoje vestia esta fatiota de pedacinhos de espelho e ía abanar o rabinho a qualquer espelunca que pusesse a Róisín nas colunas. Hoje estou disco.

22.10.09

hoje



Aqui só estão dois, mas acrescenta-se mais um mítico Fausto Bordalo Dias e temos as três grandes lendas vivas da música portuguesa. E hoje cantam para nós. Benditos!

11.10.09

silêncio era bem melhor

a amália agora "passa a vida" na rtp memória. a amália era isto, a amália era aquilo. ai que saudades que eu tenho da amália. estão a passar as entrevistas todas que a amália dava (até naquele fabuloso programa apresentado pela Teresa Guilherme e pelo alter-ego heterossexual do Manuel Luís Goucha_ horror!). Até deu um programa de uma Alexandra Gama muito penteada e muito maquilhada a perguntar à Estela se as festas que a Amália dava em casa começavam com um jantar ou se íam directamente para a sala. muito bom jornalismo se faz hoje em dia. o cultural então, ui! O que vale é que amália era mulher para sobreviver até a uma fátima lopes e a um nuno graciano juntos ali a tentar esmifrar sadicamente a boatice do seu tempo. até dessa lama a amália saía de cabeça erguida. valha-nos isso, a sua voz e a sua graça. amen.

nova águia

Há dias ouvi alguém (não interessa quem, não interessa onde) a dizer qualquer coisa como isto: nós não queremos o progresso. o progresso é um movimento metálico e cinzento. nós queremos renascer e isso tem cor e tem vida.

é isto, não é?

7.10.09

desculpem lá, é só para gritar isto

...não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso! ... (FMI)

16.9.09

sei a vez de me lançar

Para quem quer se soltar invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Para quem quer me seguir eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar

10.9.09

I declare that the beatles are mutants II

Um dia atrasada, mas ainda com a febre alta da nova edição de toda a discografia beatliana remasterizada, aqui fica a homenagem.
Como diz o MEC, e mais uns milhões de pessoas, eles vão viver para sempre.



(ri às garagalhadas quando vi isto a primeira vez. como há muito não fazia)

5.9.09

Senta aqui Manuel... Vem e me fala de Pasárgada. A vida não vale a pena e a dor de ser vivida. Os corpos se entendem mas as almas não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Lenda Brasileira

A moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma à cara: o que saiu do mato foi o Veado Branco! Bentinho ficou pregado no chão. Quis puxar o gatilho e não pôde.
_ Deus me perdoe!
Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto do caçador e começou a comer devagarinho o cano da espingarda.

Manuel Bandeira (escreve as estórinhas mais deliciosas)

24.8.09

Estou com os azuis

John Lee Hooker - It serves me right to suffer

Note to self II

Não sou o que vivo. Sou o que escrevo.
E a angústia maior é que não sou escritora.
Assim sendo, aquilo que sou está condenado a ficar, com parcimónia, fechado dentro de mim.

13.8.09

José Cardoso Pires

Não, nisto de alguém se interrogar ao espelho, olhos nos olhos, é consoante. Tem muitos ângulos - e tu estás aí, que não me deixas mentir. Vários ângulos. Há quem procure, santa inocência, fazer um discurso de silêncio capaz de estilhaçar o vidro e há quem espere receber, por reflexo da própria imagem, algum calor animal que desconhece. Seja como for, o que dói, e assusta, e é triste e desastradamente cómico neste exercício, é o pleonasmo de si mesma em que a pessoa se transforma. Repete-se. Se bem que com feroz independência (todo o seu esforço é esse) repete-se em imagens controversas que a possam explicar.

Este meu querido mês de agosto...

Não só mas também para contrariar o marasmo que se pega às coisas em agosto, venho publicar aqui qualquer coisa. Não se pense que são apenas algumas palavras ditas ao acaso, há um propósito para esta intervenção e para esta quebra de regras das férias. Remexendo um pouco as gavetas desta casa, arejando as traças e o caruncho, verifico que muitas vezes vim para aqui, como quem põe a boca no trombone, falar das minhas mágoas (sejam elas fictícias ou reais, na verdade nem eu as distingo), pois bem, chegou o dia de apregoar a minha felicidade: sinto-me feliz.

Pronto. Está apregoada.

Bom, que se lixe. Ninguém pode negar que a depressão é bem mais criativa.

8.7.09

I told you when I came I was a stranger


Let's meet tomorrow if you choose
upon the shore, beneath the bridge
that they are building on some endless river
Then he leaves the platform
for the sleeping car that's warm
You realize, he's only advertising one more shelter
And it comes to you, he never was a stranger
And you say ok the bridge or someplace later.

And then sweeping up the jokers that he left behind ...

And leaning on your window sill ...

I told you when I came I was a stranger.

the poet's wife (I/2)

A vida vazia que fazia correr os dias havia parado no segundo em que se lembrou do que tinha deixado para trás. Acontecia-lhe muito: esquecer-se das pessoas que mais amava, como quem esquece o rosto com que se cruzou no elevador.

Ele estaria na estação do comboio, no destino combinado, na hora combinada, ontem, hoje e amanhã. Combinação peculiar para não destoar da peculiaridade do par. Teriam assim três dias para decidir se queriam partilhar a vida ou não. Se escolhiam o amor, ou não.

Escusado será dizer que no primeiro dia nenhum dos dois apareceu. Este era o segundo.

22.6.09

the poet's wife* (I)

**
Ela caminhava ao longo da rua, com passo certo e perdido. Estava certa de que queria caminhar, mas não sabia para onde. Já estava perdida há horas naquela cidade. Decidira sair do comboio numa cidade que não conhecia, a cerca de 100km do sítio onde deveria ter saído segundo o plano inicial. Mas o plano inicial nunca passava disso, facilmente substituído por outro mais atractivo, ou, pelo menos, novo.

A sua pele já contava 35 anos, mas continuava jovem. Quando calçava os ténis, punha uma t-shirt e a mochila às costas ainda a confundiam com uma miúda. Só os olhos a denunciavam. Não eram olhos de miúda. Na verdade, nunca foram. Há olhares que nos contam histórias infinitas num só relance. O dela contava. Havia duas histórias que nos eram segredadas na primeira troca, infalivelmente. Uma sobre a morte e outra sobre a vida. A língua em que recebíamos a mensagem às vezes era estranha, sibilante, leve, mas as emoções chegavam-nos com a intensidade prevista dos choques eléctricos. Porém, os seus olhos não eram só expressão, eram também cor. Uma cor inexistente e pura. Como um invólucro precioso de algo mais precioso ainda.

Parou à frente de uma retrosaria antiga e prendeu-se nos rendilhados de um tecido. Fascinavam-na os artifícios manuais, talhados com o hábito dos dedos rápidos das mulheres. Imaginava-as em grupos, em tardes solarengas de quintais de cal e cimento, como as da sua terra, a conversar a vida dos outros que se entrelaçava nos seus dedos junto com as linhas. Quis comprar aquele tecido e usá-lo à volta da cintura como um acessório que não era. Entrou na loja. Lembrou-se, no entanto, que não tinha dinheiro, que aquele desvio tinha-lhe custado a carteira quando passou por um grupo batedor de pequenos marginais. Subiu-lhe de repente o sangue às faces com aquela lembrança. Estava perdida e sem dinheiro. Tinha apenas alguém à sua espera no destino que não tinha tomado. Estava sozinha. Lembrou-se também de que já lhe tinha acontecido isso mais vezes e que tudo se resolvera, por obra do divino, não por ela, que era demasiado atrapalhada para desvelar soluções. Confiou a vida a mais esse acaso. Olhou em volta, envergonhada, saiu da loja e continuou a caminhar sem saber para onde.

*título roubado a F.A.R., da arca dos pretéritos
** foto de Ana Franco, retirada daqui

16.6.09

Família

- patti smith & hers by Annie Leibovitz -

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Este é o nosso terceiro Junho juntos em terras blogosféricas, imagine-se.
À nascença não lhe dava(m) mais de 3 meses de vida.
A par do Midsommar no Ikea e das sardinhas gordurosas de Alfama, este é um dos grandes acontecimentos culturais do mês.

15.6.09

até amanhã

As palavras que se dizem entre álcool e fumo ganham asas e fogem. Ficamos com a ideia de que foram, na sua breve existência, geniais, só porque ajuda a alimentar o mito. Sim, o mito. A nossa vida só faz sentido a prestar contas a sucessivos pequenos mitos que vamos alimentando com ar e imaginação. Se não fossem eles, muitas vezes nem sequer nomeados, muitas vezes apenas latentes nalgum canto da nossa memória, tudo seria branco ou preto, nem a coexistência das duas cores seria permitida. As conversas são linhas que se atam e desatam, que experimentam novas combinações, que se enrolam às pernas, que articulam os dedos e os gestos, que puxam o sorriso, que pescam lágrimas, que atam nós na garganta e no estômago. Tudo mitos> mentiras> histórias> lendas> conversas. Deixa tudo de existir (ou apenas voam para longe) quando pousamos o copo e vamos para a cama. Até amanhã (mesmo que longe demais).


(se este fernando cunha não estava tão melhor a fazer isto...)

2.6.09

Claudia

Quando a entendo, os meus dias são negros.

29.5.09

B&C

A propósito da notícia sobre a abertura ao público do processo Bonnie&Clyde pelo FBI, sinto-me impelida a falar de liberdade. Não condeno nem perdoo esta dupla pelos crimes que cometeu, mas invejo-os pelo que sentiram durante esses dois anos de fuga. Penso que não haverá maior liberdade do que estar sempre na iminência de a perder. Todos nós, os mortais, jamais sentiremos a vida a pulsar nas veias como tambores primordiais; jamais, como eles, seremos baleados até a vida, a dignidade e a beleza (mas não a memória) abandonar o corpo desfeito.

O Mickey e a Mallory são a actualização muito stoniana/ tarentiniana deste mito.
Também os tenho no altar, mas dos loucos.
Estes não.

25.5.09

L. Garrel

(reminder: percurso até agora imaculado, a seguir)

18.5.09

emoções

Se eu tivesse tempo, criava um blog elaboradíssimo anti-rita red shoes.

Por outro lado, ainda bem que eu não tenho tempo para essas coisas, transformar-me-ia num ser desprezível, alimentando a minha ira dessa forma. Assim, não lhe dou muita conversa, não lhe dou lugar, viaja sempre de pé, a acotovelar tudo e todos, mas à pressa, e, por isso, apenas de passagem. Fiz esse contrato com a minha harmonia.

Gosto de personificar emoções. Povoam-me os quartos vazios da alma.

17.5.09

Visita

Parece que se respira novos ares na blogosfera.

Benditos os audazes!

12.5.09

lady in distress

Isto dos blogs às vezes irrita-me.

Mais ainda quando vejo o verbo conjugado.
Parece algo semelhante a vomitar.
E reparo que é mesmo.

4.5.09

os vivos


A construção de um indivíduo marca-se e conhece-se por coisas como esta.

Quem conseguir ouvir isto e mais isto, que é a continuação, e não sentir a pele a eriçar, não sentir sua a raiva de gritos ensurdecedores, não sentir as lágrimas a romper, quem não reconhecer este homem como um dos poucos vivos que para aí há a percorrer a terra, está morto.

O José Mário Branco, assim como quase tudo o que conheço hoje de música e dos vivos, veio pela tua mão, que já é minha também, que é nossa. Veio e virá, porque tu és inesgotável e eu só espero conseguir ser sempre insaciável.

Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.Eu quero desnascer, ir-me embora, sem sequer ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
(...)
Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

29.4.09

dans paris

Depois de rever de battre mon coeur s'est arrêté quero (re)ver este. mais do que os realizadores, os actores são as minhas meadas nas escolhas cinéfilas. tento não as perder.

23.4.09

JP

só gosto tanto dele porque ele tem tanto de ti.

Estatelou-se docemente contra o céu*

A minha geração, já se calou, já se perdeu, já amuou,
já se cansou, desapareceu, ou então casou, ou então mudou
ou então morreu: já se acabou.

A minha geração de hedonistas e de ateus, de anti-clubistas,
de anarquistas, deprimidos e de artistas e de autistas
estatelou-se docemente contra o céu.

A minha geração ironizou o coração, alimentou a confusão
brincou às mil revoluções amando gestos e protestos e canções,
pelo seu estilo controverso.

A minha geração, só se comove com excessos, com hecatombes,
com acessos de bruta cólera, de morte, de miséria, de mentiras,
de reflexos da sua funda castração.

A minha geração é a herdeira do silêncio,
dos grandes paizinhos do céu,
da indecência, do abuso.
E um belo dia fez-se à vida,na cegueira do comércio

A minha geração é toda a minha solidão,
é flor da ausência, sonho vão,
aparição, presságio, fogo de artifício, toda vício, toda boca
e pouca coisa na mão.


A minha geração não é esta. Mas não a descreveria melhor. Afinal todos os pós-25-de-Abril-antes-de-qualquer-outra-coisa-melhor se definem pelas mesmas linhas.

Somos a geração que se pensa. Não pensamos em política, as lutas terminaram, tudo se faz agora não pelo punho, mas pela letra. Não havendo por que lutar olhamo-nos ao espelho e vemo-nos vazios. Anulámo-nos. Porque, no fundo, o Miguel Guilherme é que tinha razão quando, com a G3 às costas e uma linha de combate no horizonte, afirmou: o homem foi feito para guerrear. Para matar.

Tudo o resto dá em suicídio. Quer te mates quer não.

*e este verso toca o Belo absoluto. a lembrar as câmaras lentas dos filmes orientais em que heróis perfeitos esvoaçam pelas florestas

20.4.09

fraquezas

(aumentem, por favor, que isto não é nada)


A julgar pelas réplicas que recebo quando falo no assunto, percebo que isto é uma fraqueza.

Gostar de x-men não é socialmente aceitável, principalmente quando: a) já ultrapassaste os 25; b) sabes ler e escrever; c) não grunhes quando tentam comunicar contigo.

Como considero que me estou a cagar para o socialmente aceite, tenho a declarar que o Wolverine é e será sempre o meu herói. Não me venham com merdas!

Posso gostar dele e do Tabucchi, que o meu cérebro não entra em colapso

.

19.4.09

Tabucchi e eu

Lisboa aparece-me debaixo dos passos. É mais um daqueles sonhos em que ando incansavelmente. Percorro ruas que conheço bem, mas que ali não sei aonde vão dar. Lisboa é, na maior parte das vezes, o cenário. Já cirandei pelo Porto, também. A conseguir controlar estes percursos oníricos, daria a volta ao mundo em sensivelmente 80 sonhos, a julgar pela velocidade de cada um. Isto de andar a reler os sonhos dos outros, esta ideia admirável do Tabucchi, fez-me sonhar com os outros sonhos dos outros. O sonho de Fernando Pessoa jogava com a sua heteronímia e o de Toulouse Lautrec com o Moulin Rouge e a utopia da beleza. O que seria o meu sonho descrito pelo Tabucchi? Não sou ninguém. Não tenho nenhum traço que as pessoas possam identificar. Seria talvez em Lisboa, como este está a ser. Estou na rua de São Bento, desço pelo Passos Manuel e vou dar à Calçada do Combro. Compro um livro na livraria brasileira e pago com um botão que se descosera do casaco. O Tabucchi bem me segue, com um bloquinho em riste, mas ainda não encontrou nada que valesse a pena. Sinto-me pressionada, terei de fazer uma pirueta ou escrever um livro de pé enconstada a uma cómoda. Onde vou encontrar uma cómoda a estas horas no Chiado? Sim, já chegámos ao Chiado. Sento-me com Pessoa. Não suporto estar aqui, resmunga. Deixa-te estar, ao menos o Tabucchi já escreveu o teu sonho. Penso: isto tem de dar uma reviravolta, não posso só andar aqui de um lado para o outro. Levanto-me de repente da mesa e, quando olho para os pés, a terra treme e percebo que estou em 1 de Novembro de 1755. O Fernando levantou-se primeiro do que eu e já ía a correr em direcção ao Cais do Sodré, mas depois percebeu que vinha um tsunami e vejo-o a correr pela Trindade acima. Receio ter escolhido um cenário demasiado catastrófico, não há sinal do meu persecutor. Ando calmamente entre as gentes em pânico, até porque isto é um sonho, não há propriamente risco de morte, e gozo este poder estranho. As pessoas não reparam em mim, provavelmente serei invisível neste corpo só metafísico. Mas duvido logo quando me sinto sacudida por alguém: é o Tabucchi, e tem a boina torta e o pouco cabelo desgrenhado, o que me aflige. Estás louca? Porque é que nos trouxeste para aqui? Vamos morrer! Não, isto é só um sonho. Vim para aqui, achei que era mais interessante que vadiar pelo Chiado no séc. XXI. Isto não é um sonho, além disso já perdi a caneta e o bloco, já não posso escrever mais nada sobre ti. Já tinhas escrito alguma coisa? Claro, já estava praticamente no fim, um dos mais brilhantes sonhos alheios que já escrevi.

E pronto. Os meus sonhos, como quase tudo na minha vida, correm sempre mal por alguma má decisão que tomei, precipitada, pelo caminho.

24.3.09

eu sei que já disse

mas estou apaixonada pela cat power, colocando assim na mesa de jogo uma heterossexualidade que eu até julgava estar garantida. quero, no entanto, deixar o cuidado de não encararem estas minhas verdades como confissões. daqui a pouco já posso estar apaixonada por outra qualquer.

se eu fosse lésbica, era uma lésbica quenga (e não uma quenga lésbica). ainda bem que não sou, a minha mãe não ía gostar nada.

Vertigem

Viajamos num balão de ar quente. A viagem já começou há tanto tempo e ainda estamos presos à vertigem de olhar para baixo, da proximidade das nuvens. Ainda rodamos à procura de novas perspectivas, mas quase não há alterações em qualquer dos ângulos. Viajamos no balão de ar quente juntos e quase não olhámos um para o outro. Quase não nos apercebemos de que estamos tão próximos e tão sozinhos. Viajamos com a cabeça pendurada para fora quando devíamos olharmo-nos nos olhos e sentir a viagem juntos. Quando começou a viagem? Não sei. Já perdi a referência de tempo e de espaço. O sol vai circulando, a lua também. A paisagem vai mudando. Rios, montanhas, mar, sereias, serras, vales, abismos, monstros, sonhos, campos, estradas que desprezamos por não precisarmos delas. Estamos no ar, a viajar num balão de ar quente e nem reparei se te comoveste quando subimos, voamos juntos e nem reparaste se estou com medo de cair. Quero olhar para ti mas a vertigem atrai-me. Não consigo desviar os olhos incrédulos da distância do chão, da imagem do meu corpo a esmagar-se violentamente contra o solo, do som do teu grito terrível, da sensação dos meus ossos a estilhaçarem-se como vidro. E a viagem continua.


17.3.09

a minha Danae*


Olhar olhar olhar olhar. Gastar e esgotar o acto na sua consumação ad nauseam. Decorar-lhe as linhas, aprender-lhe as cores, saber a obra de cor(ação). Depois escrever e falar sobre ela. Foda-se.
*era mais simples quando era só minha e não tinha que partilhá-la com ninguém.

6.3.09

A Ana Franco fotografa-me os sonhos.

Ciro e os lídios

Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais, uma vez no cativeiro, dão evidentes sinais do conhecimento que têm da sua desgraça e deixam ver perfeitamente que se sentem mais mortos que vivos, continuando a viver mais para lamentarem a liberdade perdida do que por lhes agradar a servidão. (...)
Esse estratagema com que os tiranos embrutecem os súbditos está, mais do que em qualquer outro lado, explicitado no que Ciro fez aos lídios depois de se ter apoderado de Sardes. Fundou nela bordéis, tabernas e jogos públicos, mandando apregoar um decreto em que obrigava os habitantes a frequentá-los. Tão bons resultados teve esta guarnição que foi desnecessário daí em diante levantar a espada contra os lídios. Os desgraçados divertiram-se a inventar toda a casta de jogos.*

O ser humano não tem, na sua natureza, a liberdade.
E esta é uma das constatações mais tristes que fiz até hoje.

*in La Boétie, Discurso sobre a Servidão Voluntária

25.2.09

A culpa é da vontade


humanos em variações.

nó cego

Mais uma vez, o turbilhão. Novamente a tempestade. Nada na minha vida corre como esperado. Pelo menos não as grandes mudanças. Nunca consegui planear nada, que as malditas Parcas a meio das fiadas do meu destino enlaçam um nó cego que vira tudo ao contrário. Não tem necessariamente de ser mau. Não é. Na maior parte das vezes a tempestade até me lavou o asfalto e arrancou as daninhas. Estou simplesmente de mãos na cabeça a avaliar os estragos e concluo, quase surpreendida, que normalmente são do meu lado esquerdo.


- Why did you keep a diary all these years?

- To remember the links between events.

6.2.09

despejo

a fragilidade da flor.
a impiedade do espinho.

todo o sangue em nome da santíssima trindade.

(e morre aqui de morte natural toda a réstia de poesia que morava secretamente nos meus dedos. despejada assim a frio, para não o ser de outra forma, menos digna.)




16.1.09

Bílis

A contas com este espírito renovador de ano novo chego à questão que muitas vezes me pica os miolos insistentemente: como é que se esquece? Não me refiro ao varrer para debaixo do tapete que eu logo quando tiver mais paciência (ou mais maturidade) lido com isto. Também não é, obviamente, apagar a existência do sucedido, isso seria um caso agudo de amnésia. É antes nunca mais lembrar se ninguém perguntar. E, de tanto não lembrar, quando surge a pergunta, já está num substrato inofensivo. Arrumar dentro da gaveta e fechá-la sem pontas de fora. Como é que se faz isso? Terei propensão para "arrastar cadáveres"? O Miguel Esteves Cardoso escreveu uma crónica sobre como esquecer (amores), mas não me revi na especificidade do assunto, porque eu quero esquecer tudo, quero esquecer o mundo de anteontem com celebrações dionisíacas e não enlutada por fora e com os lábios pintados por dentro.


A psicanálise às vezes devia ser despejada pelo cano abaixo, já que tudo se poderia resolver dentro de um vocabulário muito mais simples: sou rancorosa. por isso não esqueço. a minha bílis segrega quantidades lancinantes de rancor. tenho dificuldade em perdoar e até (para não dizer principalmente) a mim própria.


Nem todos somos Narcisos apaixonados pelo nosso reflexo, às vezes ele reflecte mais do que a pele que nos cobre e somos confontados com a mais pura fealdade sem qualquer pudor. E que fazer com ela? Disfarçá-la? Escondê-la? Não. Primeiro que tudo há que trazê-la à vida, trazê-la connosco à rua e depois, estoicamente, matá-la.


Eis as provas dispersas do meu primeiro crime.

12.1.09

He came dancing across the water

Partilhar a mesma almofada há tanto tempo dá nisto: contágio irreversível. Comecei por achar a voz do Neil Young efeminada, depois apenas fraca, até que hoje a comparo a uma chama periclitante numa vela cujo rastilho já pouco tem por arder... mas continua a arder, há 40 anos de carreira. A sua voz é hoje um pouco da minha casa. Tem, a par da Joni Mitchell, o poder raro de me conseguir aconchegar no seu timbre. Entranhou-se. Mas tanto tanto que até dói.
(E falo apenas de timbres e sons e melodias, para falar das letras teria de discorrer sobre os poderes ancestrais da poesia. Aqui não dá.)
Obrigada por isso e por todo o tijolo, cimento e lágrima. E o que eu queria mesmo, com toda a força com que se pode querer e crer, era dar tanto quanto recebo. Aí tudo seria perfeito.

A t-shirt e boné à sem-abrigo, o esquecer-se sequer de olhar para o público, a pura curte de estar a tocar com os amigos e alongar a música até aos 11 minutos, só aumenta o grau de dependência.

3.1.09

young neil

Hello cowgirl in the sand... Is this place at your command? Can I stay here for a while? Can I see your sweet sweet smile?

maldita

A maldita melancolia de inverno-dezembro-fim-de-um-ano-início-de-um-novo-dia-chuvoso chegou e aconchegou-se descaradamente ao meu colo. Assim mesmo, sem ser sequer convidada para entrar quanto mais para estas intimidades. Nem mesmo com o meu ar indignado, perturbado até, e sucessivos suspiros impacientes ela se manca. A melancolia é mesmo assim, não se presta à boa educação, quando acha que deve entrar em cena, entra com tudo. Agora resta-me não deixá-la acomodar-se demasiado, ir dando as dicas para ela ir cochilar para outro lado, caso contrário estou feita. Vou recomeçar as minhas lides profissionais a arrastar-me pelos corredores, não quero isso, já basta que me apeteça fazer isso o ano todo, não quero efectivamente fazê-lo. Seria terrivelmente sincero da minha parte. E a sinceridade, como toda a gente sabe, já não se usa. Ite.