31.12.08

tempo já vivido mal vivido ou sem sentido

Tendo em conta que não mandei mensagens de ano novo feliz, triste, esperançoso, taciturno ou qualquer outra coisa que o valha, a ninguém, fica aqui a minha contribuição para essa legião supersticiosa que acha que se não disser não acontece.
Era bom era.

RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

CDA

E agora eu mais o meu ano novo cochilante vamos tratar de lavar a roupa suja do ano velho, que não primou pelo asseio, e receber o primeiro de janeiro sem merdas nem poeiras debaixo dos tapetes. Até p'ra o ano.

27.12.08

Doce misogenia

Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança p'ra chorar o meu perdão, qual o quê! Diz p'ra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida p'ra agradar meu coração. E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado, como vou me aborrecer? Qual o quê! Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro os meus braços p'ra você.

17.12.08

pergunta

Como é que te deixou de bater o coração?
Foto: Ana Franco

incisão

Ler angústias nossas na folha de um livro escrito por outro punho é um dos meus mais requintados prazeres. É um aconchego que se senta ao nosso lado sem paternalismo e nos diz: eu sei. Não aquela festa na cabeça e um been there, done that que não deixa de dar um tom de desprezo pela nossa majestática dor, é um olhos nos olhos, um discreto, um mexer de lábios quase sem som: eu sei. Se há uma coisa para a qual deixei de ter paciência, com a mesma convicção com que se abandona um vício, é para seres que se acochilam no nosso ombro ou oferecem o seu já usado, para desabafar tristezas. Como se isso resolvesse alguma coisa. Se eu tiver uma bola de ténis entalada a meio do esófago durante semanas tossir um bocadinho não ma vai tirar de lá. É necessário uma esofagotomia com sangue e entranhas ao ar para começar a resolver o problema. E isso faz-se em local privado e reservado, é só precisar o local da incisão.

9.12.08

Instinto

Depois de explicar a Ilíada e a Odisseia, depois de descrever Aquiles, Heitor, Ulisses, pergunto: percebeste porque é importante?

Resposta: Não.

Depois disto, vou ali à ponte 25 de Abril não para me atirar, mas para atirar ao Tejo em tom sacrificial toda esta geração de inscientes arrogantes que cospe na cultura que lhes corre nas veias como um filho mal educado na cara enternecida da mãe. Arre!

6.12.08

Meu

Ah, eu quero te dizer

Que o instante de te ver

Custou tanto penar

Não vou me arrepender

Só vim te convencer

Que eu vim pra não morrer

25.11.08

La frontière de l'aube - Philippe Garrel- 2008

De quando em quando pensa-se o que afinal de contas se anda aqui a fazer debaixo do sol, na maior parte das vezes, saracoteada pelo vento e pela chuva, na menor parte. Quando se levanta o véu da rotina e se olha por baixo para ver o que de facto se passa cá dentro pode ser assustador. Nós, andarilhos durante o dia, trabalho casa, casa trabalho (sendo que o tempo em casa é para descansar do trabalho do dia e temer o trabalho do dia a seguir) ficamos viciados nas funções cerebrais que usamos diariamente e esquecemo-nos das outras. Que outras? Tudo o resto. O cd que se quer ouvir, o filme que se quer ver, a conversa que se quer ter, o abraço que se quer dar, o prato que se quer cozinhar(?), o amor que se quer dar, tudo coisas absolutamente viscerais para nos sentirmos vivos e que são colocadas num quase inconsciente hold indeterminado. Quando damos por nós, não tendo alimentado o coração e o que resta de uma gana meio esquecida, temos um buraco negro em vez destes orgãos vitais. Que fazer então a este sal que não salga? Recentemente vi o último filme de Garrel: La frontière de l'aube e devia ter caído logo em mim como uma revelação, mas não caiu logo, caiu mais tarde. E uma revelação tardia, devo admitir, tem um sabor ainda mais apurado. Havia uma mulher que fazia o que queria, que amava quem queria, que tinha o que queria. Enlouqueceu. Suicidou-se. Havia um homem que amou essa mulher, teve tudo o que quis, mas quando ela enlouqueceu ele não quis e afastou-se. Ela voltou dos mortos e assombrou-o na sua culpa muito viva. Suicidou-se. O que tem isto a ver com o início do meu raciocínio? O seguinte: se eu tivesse a vida que queria o que queria e de repente o homem que eu amasse me abandonasse e eu ficasse a olhar as paredes e a gritar aos meus ouvidos, suicidava-me. Por outro lado, não tendo tudo o que quero, não fazendo quase nada do que quero, mas tendo a pessoa que quero, esqueço-me de viver. Vantagens: lembrei-me agora. Desvantagens: será que ainda vou a tempo?


Este texto confuso e quase imperceptível para os seres que vivem fora da minha cabeça, nem a mim me fez sentido depois de uma segunda leitura, contudo, soube-me bem escrevê-lo, assim com um leve mas assertivo sabor a redenção. e, god knows, eu estava mesmo a precisar de uma.


20.11.08

Julianne Moore in Blindness, 2008

peixe morto

Para quê tudo isto? Quando reduzidos à condição original não somos mais que animais. Para quê explorar o raciocínio se ele nos leva ao abismo? E eu sempre tive vertigens, sempre senti um desejo intestino de saltar e nunca consegui.
Se eu apanhasse uma gaivota e a comesse a cru, com penas bico patas sangue e tudo? Se eu fizesse isso era mais humana por responder aos instintos ou era mais animal? E se eu lhe desse um tiro de uma distância educada e a embalsamasse? ao menos não sujava as mãos. E a única diferença é essa: as mãos limpas de sangue, as unhas asseadas, o obrigado, o com licença, o livro debaixo do braço, a vida arrumadinha dentro da carteira, é isso que me mantém do lado de cá.

Ou do lado de lá?

De que lado estou eu agora que escrevi estas palavras?

3.11.08

o passar dos dias range-me nos ossos e flui-me nas veias. sinto o tempo agora mais do que em qualquer outra altura da minha vida. atingi um ponto em que acho que sou adulta. e acho isso com a maior das certezas com que se pode achar. no entanto, hoje o dia é



indiferente.



mais indiferente do que qualquer outro três de novembro desde 1981. naquele tempo festejavam o meu aniversário. não digo que hoje não sou feliz (esse tipo de etiqueta simplesmente não se cola à minha pele), não me revejo num fósforo frio nem no mofo que se entranha no tecto, mas o aniversário pessoano é hoje o meu também, por tudo o resto.





30.10.08

evidence

my own private caos*

Declaro, não muito solenemente, que a partir de agora os posts deste blog vão ter etiquetas. Esta resolução surge não porque algum leitor atento me tenha pedido (imagine-se!), mas como parte de um processo de compartimentação interior a que me dedico há algum tempo. Tudo tem um ritmo e um lugar próprios. A organização chegou-me ao alpendre aos 27 anos, será que ainda vou a tempo de arrumar tudo?

Espero que não.

O meu lugar sempre foi do lado do caos.

*já agora sento-me humildemente ao lado de toda a gente que já usou este "my own private... anything" porque sou uma pessoa pouco original. uma das minhas piores qualidades é reconhecer-me constantemente nos outros.


16.10.08

your favourite darkness


Sentado na cadeira desejas tudo. Pensaste-te capaz de humanidades inteiras mas tens as mãos vazias. Olhas para trás e vês vidros atirados contra vidros partidos, vês o ruído das tuas batalhas perdidas, guerras ganhas por um coração obscuro. O cimento que te mantém de pé é o que te destrói aos poucos. És hoje aquilo que cuspiste para o lado ontem.

Ou julgas que és.

O que é que o espelho te devolve quando apagas a luz? Escuridão? Abre os olhos. Nunca deixaste de ser tu. Os anos passaram-te no desgaste epidérmico mas não te chegaram à alma. Quem julgas que és para desistires? Só aqueles que nunca rasgaram as mãos para ver as veias a vazarem o sangue é que podem desistir. Os outros ficam presos à vida por força de poemas pessoanos, timbres cohenianos e outros estupefacientes que tais. Estás aqui. Hoje. E o dia ainda nem sequer acabou.

14.10.08

Celebração do vermelho


Porque é a minha cor preferida, porque apetece-me dizer isso ao mundo e hoje em dia já não é pergunta que se faça.

26.9.08

Exorcismo*

Beware. Beware.
There's a psychic caveman whispering under your pillow
inserting words into your head
like coins you cannot recover.

*ou há palavras que se nos colam à pele e que é preciso darmos-lhes pernas e braços para andarem daqui para fora. Estas já me chupavam o sangue há alguns dias. Ite.

25.9.08

Um Duelo...

"O meu amor" um dos temas da Ópera do Malandro de Chico Buarque.

...É sempre sobre Possessão.

19.9.08

Cede-se

Olhar nos olhos das pessoas que passam comove, elas não estão habituadas e comovem-se também. Comove de igual forma ler algumas crónicas de Lobo Antunes no metro, onde a solidão se encosta a nós no banco do lado, a espreitar o que lemos, indiscreta. Comovo-me com pouco nestes dias porque o mundo todo parece estar à beira das lágrimas; parece estar na prolongada iminência do soluço fundo que antecede o pranto. No caminho que faço todos os dias o andar é compassado com um adagio cantado pelas gaivotas, pelo marejar dos barcos, pelo roçagar dos transeutes uns nos outros, pelo café a fumegar das máquinas, pelo fumo soprado para a atmosfera por lábios que nunca se encontraram. Nestes dias chego ao fim do dia em pequenos fiapos, com vontade de chorar a tristeza que sinto. Mas a tristeza não é minha, não me é de direito chorá-la. Alguém a quer?

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.


10.9.08

Statement*


*ou há noites em que acordo ofegante quando tudo o que quero dizer passa-me vertiginosamente à frente dos olhos antes que consiga sequer entreabrir os lábios.

9.9.08

A contas com o bem que tu me fazes

Ficar. Viver a vida mais fácil, sem grandes mudanças, sem grandes apostas, mais calma, mais dócil, amansar os cavalos do destino e seguir o caminho mais previsível.

Partir. Sem saber para onde, sem saber para quê, apenas porque cá dentro há inquietação. Ser a pessoa que sou e não abdicar disso por nada. Ser só, mas ser inteiro.

À partida, quase toda a gente escolheria a segunda opção, mas curiosamente quase ninguém o faz efectivamente. Pior: às vezes pensam que escolhem a segunda e nunca sairam do caminho da primeira. A segunda é bela, é a mesma dos poemas homéricos, da poesia pessoana e mundana, das lyrics que esticamos e moldamos para caberem no nosso corpo.
Mas tudo isso é ficção, lê-se nos livros.

Consegues pôr o pé aqui no chão e viver a realidade assim?

O QCI regressou do reino de Hades para me sussurrar esta letra ao ouvido e dizer que há pessoas que conseguem Ser sem mais nada. Mesmo que fiquem sozinhos no fim. Mesmo que o mundo os repreenda e nunca os compreenda. E essa coisa é que é linda...

4.9.08

Time to celebrate!

We do receive without asking, my dear!

2.9.08

chovia

Não gosto muito de falar de actualidade, de notícias e coisas demasiado concretas e demasiado pontuais. Como tudo o que é dessa natureza esgota-se na sua curta duração. Prefiro pretéritos imperfeitos que se prolongam inacabados até ao presente ou, quem sabe, até ao futuro. São os pretéritos das memórias, das histórias mais ou menos ficcionais, dos hábitos mais ou menos rotineiros. O presente esgota-se no segundo em que existe. Parece demasiado efémero para ser agarrado. A dicção apressada dos locutores dos telejornais, dos repórteres parece querer alcançar o inalcançável. Os notíciários, bombeados pelo sensacionalismo agora em voga, dão-nos o imediato, o hoje, talvez o ontem, outras vezes uma previsão do amanhã (vai chover, a bolsa vai cair, o furacão Gustav vai chegar ao Louisiana) e nada mais. Preciso de mais.


Não obstante tudo isto, discerni o seguinte: a "conjuntura actual" (que é o termo devidamente abrangente e indefinido de que se precisa) vai levar-nos a uma crise sem precedentes. Tenho para mim que o melhor era ir comprar alguns enlatados ao lidl, embalar os meus livros, juntar umas cobertas e escavar um abrigo. Nunca se sabe.

1.9.08

world gone wrong

O bom de voltar a viver na terra natal: no caminho para o trabalho, reencontrar pessoas que não vemos há séculos e que em 3 ou 4 palavras percebemos que não devia ter passado sequer uma semana.

O mau: tudo o resto.



Café 1eur Leadbelly 3,75eur

Inteligência é saber distinguir o fútil do essencial. E viver dispensando o fútil.

(E a conversa termina por aí mesmo com a sensação solene de que uma verdade foi dita.)

29.8.08

Fists up for life

Will we receive without ever asking?

I'm just curious.

Forever more, Moloko

22.8.08

Às vezes chegamos a um ponto de ruptura. Sentimo-nos a quebrar. Sabemos com uma certeza inexplicável que se dermos mais um passo algo de extraordinário vai acontecer. Bom ou mau. Encontro-me nesse preciso fio de arame e nem sei porquê: o dia de hoje foi igual ao de ontem e ao de anteontem. E estou indecisa entre avançar para um possível abismo, montanha ou vazio (sabe-se lá) e voltar para trás.

(não me posso esquecer é que "para trás" também tem os seus abismos e montanhas, já que muitas vezes contornei os problemas em vez de aplainar a paisagem)

Bloqueio.

..............................................................................................


continuamos a emissão dentro de um número indefinido de batimentos cardíacos.


20.8.08

O amor ao canto do bar vestido de negro...

...porque outra cor qualquer feriria os olhos e a alma de tão viva.

deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

18.8.08

mitos

Irrita-me que o Heathcliff tenha morrido, porque este foi dos mais geniais vilões (e assim confirmo o meu encanto pelos renegados) que alguma vez vi compostos. Mais e melhor haveria para dar, sem dúvida.
Só espero que não se torne um daqueles fenómenos semelhantes ao River Phoenix que depois de morto foi mitificado por adolescentes e, por isso, esquecido nos meios que realmente importam. A parte mais importante do mito é a desmitificação e o que resta do processo. Não nos iludamos.

11.8.08

os pés no chão

Foto: Ana Franco
Se a vida fosse fácil, não gastaríamos tanto tempo a construir castelos no ar, a polir-lhe as arcadas, a compor-lhe os vitrais. No entanto, estou com estas palavras sobretudo a intimar-me a viver a vida com os pés assentes no chão, com as mãos a mexer na terra, a sentir-lhe a concretude. A esquecer as nefelibatas muralhas do-que-poderia-ser e a pôr os olhos e a acção no que invevitavelmente se agarrou aos meus dias. Afinal de contas é o que tenho de verdadeiramente meu e o que gosto de ter. Tudo o que não partilha o chão comigo só me iria roubá-lo assim de susto, quando eu menos esperasse.


(pensei isto assim de chofre quando dei por mim a cogitar sobre o que poderia fazer se... e este se congelou-me os movimentos porque trazia nas costas toda uma fileira de impedimentos. farta disto que só! vou erradicar esta palavra do meu vocabulário. irrevogavelmente)

6.8.08

Soneto da fidelidade

De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

1.8.08

Amoras

Há muito tempo atrás quando o tempo para mim ainda era tempo por gastar, lembro-me de pensar, enquanto me deliciava a comer amoras em cima da amoreira do Sr. Artur, onde estaria daí a vinte anos. Com uns ignorantes 6 anos achava que a minha vida seria igual à das outras pessoas todas e que estaria casada e com filhos, como era o mais precioso objectivo das mulheres da minha aldeia. Na verdade, acho que nunca me sonhei muito independente, ou uma mulher de carreira com costumes solitários. Será por isso que não o sou? Estará, no mofo dos desejos que formulei com 6 anos para a minha vida adulta, a verdadeira razão para a ordem dos acontecimentos?
...
Foda-se.

29.7.08

Babel

Quando é que a língua é uma barreira? Quando, por exemplo, imploramos: "ajuda-me" e a outra pessoa, com um sorriso terno e compreensivo, começa a contar-nos a sua própria vida.

Falas a mesma língua que eu?
Ouves-me? Daí, de dentro do teu umbigo?

23.7.08

Sonhar com Anton

Quando vi o último filme dos irmãos Coen, No Country for old men, a personagem Anton Chigurh povou-me os sonhos logo nessa noite. Nem aquele corte de cabelo completamente improvável desmancha-lhe a frieza, ao contrário, acentua-a. Os olhos grandes e raiados, a voz funda, a inteligência a pingar de cada palavra e a resvalar para a loucura compõem uma obra prima. Conheço o Javier Bardem há alguns anos, conhecia-lhe um talento assinalável, mas a sua interpretação neste filme é algo no mínimo perturbador. Na altura da estreia do filme ouvi um dos irmãos Coen (não os sei distinguir) a dizer que a ideia para a construção de Anton era a encarnação da morte, um elemento contrastante com o oeste americano, algo que se notasse fora do seu elemento. Pode-se dizer, como se costuma dizer dos jogadores de futebol, que o Javier cumpriu na perfeição. Mais não lhe poderíamos pedir. Menos talvez pedisse para evitar terrores nocturnos. Há muito tempo que não tinha pesadelos, muito menos por causa de personagens de filmes. Esta capacidade para mim bate qualquer prémio da academia.

(vale a pena clicar na imagem, aumentar e olhar-lhe nos olhos)

17.7.08

100.º post

(convidei a marilyn e alguma angústia para o serão. foi divinal)

14.7.08

Sei de alguém que sabe isto de cor(ação).
Sei de alguém que sente o blues a ressoar nos nervos.
Sei de alguém que sabe o que diz.
Sei de alguém que sabe mas diz que nada sabe.

Muddy Waters & James Cotton - Got my mojo workin' (1966)

Sei de ti. Aqui. Sempre.

8.7.08

how to become an atomic bomb.

9h-18h. segunda a sexta. metro. autocarro. atrasado. trabalho. pc. e-mail. ansiedade. stress. intervalo. cigarro. cadeira. secretária. almoço. junkfood. cansaço. cadeira. vozes. telefone. telefone. ruído. cadeira. secretária. pc. intervalo. cigarro. cigarro. cadeira. telefone. secretária. pc. vozes. vozes. e-mail. papel. caneta. trabalho. trabalho. grito. explosão!

cigarro... cigarro... cigarro...


...e vim a nadar para casa porque já não aguentava olhar para a cara dos funcionários da Transtejo.


(um dia vamos pôr a bomba. vamos sim. e vamos fazê-lo juntos)

27.6.08

Remorso

(José Gomes Ferreira por Mário Viegas, no tempo em que a poesia ainda se declamava e o público se sentava em silêncio e ouvia. Não sou saudosista, mas há coisas e pessoas que me custam a perda como a morte de alguém querido)

24.6.08

Pagú


No meu primeiro blog, há alguns anos, prestei-lhe homenagem. À minha maneira, fantasiei alguns textos sobre episódios da sua agitada vida. Recriei a sua viagem pelo mundo, sozinha, durante a qual privou com o último imperador chinês (sim, o mesmo do filme); reinventei o seu sofrimento nas 23 vezes em que foi presa (uma delas durante 5 anos); ensaiei os seus projectos e protestos políticos; amei Oswald, amei Geraldo; imaginei-a perdida pelas ruas de Paris, estrangeira, comunista, refugiada e finalmente deportada para o Brasil; arranjei lugar em mim para o cancro que lhe tirou a vida aos 52 anos. Vivi-lhe a vida por algum tempo, senti-me a Patrícia Galvão a atravessar as primeiras décadas do século vinte com uma audácia e inteligência incomparáveis.

Tenho, por algumas mulheres, a atracção e admiração que seria esperável ter apenas por homens. Não se trata de uma confissão, mas antes de uma constatação. E constato isso como quem descobre um talento novo.

19.6.08

Cilício

Há dois pólos de ignorância. Aqueles que são natural e visceralmente ignorantes, sabem que o são e não se preocupam minimamente com isso. E no fundo do poço a crescer com os vermes a surdir do musgo enlameado das paredes há o ignorante que incha o peito e diz que não o é, anuncia-se, au contraire, no outro extremo. Escusado é dizer que prefiro e relaciono-me melhor com os primeiros. Os segundos instilam-me uma vontade de me fazer Gulliver em terra de liliputianos e esmagá-los sem piedade com a sola de um sapato arrogante de verniz preto.

(quanto a mim, podem encontrar-me a meio do poço, como quem sabe que é ignorante mas tenta a todo o custo não o ser, esbracejando furiosamente para se manter à tona juntamente com os iluminados mas apenas a tocar-lhes com as pontas dos dedos nos calcanhares)

Custa-me, como me custaria usar um cilício diariamente, ver o Fernando Pessoa nas bocas do mundo, a babarem citações que tiraram da internet e do Livro das Citações, como se fosse uma puta da Rua Suja pronta para toda a ordem e serviço.

13.6.08

Do outro lado do espelho

...ou todas as mulheres querem ser a Elizabeth Shue.


12.6.08

Dolls

Em 2003 vi este filme de Kitano e pensei, na ingenuidade dos meus 21 anos: o amor existe.

Alguns anos mais tarde, revi a mesma película e concluí: a dor existe.

e existe sempre, apesar de tudo. apesar do amor, apesar da felicidade. resiste a tudo. a dor é a barata persistente que resistirá a uma catástrofe nuclear e repovoará a face do planeta num roçar de antenas.

(o facto de as personagens serem meros títeres é demasiado óbvia e demasiado reincidente neste caderno para ser comentado. no entanto, a dúvida de quem/o que titereia, mantém-se)

9.6.08

A dança da solidão

Em tom de nesta data nada querida, fica aqui a música que deu o mote a este blog. Há um ano atrás.

6.6.08

Gente cá de casa


Entrou em casa a uma hora inesperada, como sempre, sacudiu as gotas de chuva do casaco e tirou-o, cuidadoso. Pousou a mala a tiracolo, retirou lá de dentro o jornal impecável, descalçou-se com alívio e olhou-me articulando um sorriso meio ensaiado meio espontâneo. Sorri de volta, agradada por tê-lo perto. Deu umas voltas pela casa, preparou uma bebida quente, beijou-me e disse boa tarde com carinho. Tomou um duche, trocou de roupa, sentou-se no sofá e perguntou-me o que estava a fazer. Nada, estava à tua espera. Então, com um ajeitar dos óculos, aconchegou-se no sofá, relaxado e começou a dissertar sobre os males do mundo como ninguém.

(Nunca li nenhum livro do Luiz Pacheco, nem mesmo as entrevistas organizadas pelo George, mas tenho-lhe, por outra via, uma familiaridade caseira. daquelas que toleram pijamas foleiros, cabelos despenteados, mau-humor matinal e outros acepipes)

3.6.08

De volta...

Foi então que conheci Teresa, em toda sua intensidade e doçura - pois Teresa também era isso: doçura. Ela parecia bossa-nova. Parecia uma música de Tom Jobim. E por que é que eu também não fui feliz? Bobagem achar que a vida cabe num verso, cabe no bolso, cabe no espaço que sobra entre dois corpos quando nenhum espaço parece separá-los.

in Um Beijo de Columbina de Adriana Lisboa


... ao pó dos livros, ao caos das letras, ao rasto dos versos de Bandeira, à Teresa, ao António, à Marisa, ao parco foco de luz na secretária. De volta a ti, Adriana.

Agora somos só nós e a folha branca.

Comecemos.

27.5.08

26.5.08

Prova viva

Hoje vamos estar com ela no Coliseu. Ansiosos, atentos, apaixonados, deslumbrados. We love you, girl.

Misfits



You have the gift for life, Rosylyn. The rest of us, we're just looking for a place to hide and watch it all go by.



The Misfits, John Houston, 1961

21.5.08

Vermelho...


... inveja, vermelho desejo. A linha que separa é ténue, a vontade de saltar entre um lado e outro, como se de um jogo se tratasse, tem ímpetos de acicate.

A Monica arrasta atrás de si uma sensualidade absolutamente pecaminosa. Tanto que ao representar Madalena redimida, de unhas e cara suja, ninguém poderia deixar de fantasiar o corpo que as vestes largas e esfiapadas escondiam. Penso: com certeza maior tormento terá sentido Jesus ao deixá-la na terra, que ao sentir as chagas abrirem-se na sua carne.



Foto emprestada daqui, sítio cum laude de homenagem ao corpo feminino.

20.5.08


(com este austero chapéu de abas, gravata incisiva e olhar decidido dá vontade de lhe bater continência e esconder o volume das Canções debaixo do casaco, com pudor)

Botto

Ouvi, pela primeira vez, a poesia de António Botto recitada na voz possuída por um deus de Mário Viegas. Era véspera de ano novo e estava com alguns amigos na casa de um deles. O dono do cd era um vizinho que, não querendo passar aquela noite sozinho, veio bater-nos à porta a sugerir um bom vinho tinto e poesia. Para meu mau grado, os presentes aceitaram a sua presença com relutância ("ele é gay, coitado" tive de ouvir entredentes). Por mim, estava deliciada, já que ali, no meio de tantos "amigos", aquela nova proposta pareceu-me desde logo bem mais atractiva para uma noite reveillon. Incitei-o a colocar o cd (e assim livrar-me da banda sonora inexplicavelmente animada, a noite de fim de ano é e sempre será uma noite triste), a abrir a garrafa de vinho tinto, a ignorar as caras de tédio em geral e a falar-me desse tal António Botto. Ao que me lembro, as palavras homossexual, erótico, obsceno e ordinário foram usadas algumas vezes para falar sobre este poeta modernista. Na altura até o achei um pouco balofo, preso ao estigma do homofobismo (que hoje ainda prolifera, quanto mais há 80 anos atrás) e por isso pouco desenvolto na sua vertente literária. No entanto, mais tarde, fazendo ouvidos moucos ao preconceito e à sua orientação sexual (que continuo a não perceber o que tem isso a ver com literatura) li alguns dos seus poemas e outros escritos e pensei: "O Botto tem isto de forte e de firme: é que não dá desculpas. E eu acho, e deverei talvez sempre achar, que não dar desculpas é melhor que ter razão" Ou não. Isto foi o Álvaro de Campos que disse. Mas gostava de ter sido eu.

Essa noite foi há 7 anos, as pessoas que lá estavam já não fazem parte da minha vida há quase tanto tempo. O vizinho do cd na mão e garrafa debaixo do braço, a pessoa mais interessante que lá estava, desapareceu completamente. Eu própria, a que estava lá nessa noite, já não sou eu. E ainda bem. Já me tinha suicidado se fosse.

19.5.08

Innuendo

Enterrei o sonho. Levantei o véu do rosto. Vesti o blog de branco, emagrecido, mas deixei os grafismos a negro, para me lembrar que aquele sonho já não volta. mais.

Faço agora homenagem a quem me matou o sonho. Assassino de causas nobres a quem ensaio vénias em vez de represálias. Afinal, se os sonhos não morrerem, acabam por envelhecer, manquejar, desfigurar e transformar-se em assombrações que nos tiram o sono à noite e o sorriso de dia.



If there's a God or any kind of justice under the sky
If there's a point, if there's a reason to live or die
If there's an answer to the questions we feel bound to ask
Show yourself - destroy our fears - release your mask

16.5.08



Hoje estou de luto.


Morreu-me um sonho.

15.5.08

Títere

Carregar o sonho às costas, irrealizado, é doloroso. Sonhá-lo sempre longe, mas quase a tocar-lhe nos calcanhares. Enjeitar vôos desastrados a querer lá chegar. Cair por terra e lamber a poeira dos lábios como o sabor mais próximo do triunfo. Queremos chegar até ao limite dos nossos tendões, até à mais desequilibrada ponta do pé, mas está sempre demasiado alto. Esgares divinos roubam-no do nosso alcance, apenas para demonstrar a sua superioridade.

Nos dias em que me sinto um mero títere em mãos austeras, apetece-me cortar os fios e morrer.
Só para demonstrar a minha superioridade.





13.5.08

Jean genie, let yourself go *

Jean Seberg (1938-1979)

(a ideia de morrer sozinha no banco de trás de um automóvel entupida em barbitúricos e álcool tem tanto de desesperante como de terrivelmente naïf. a imagem do renault branco abandonado _assim como o seu corpo, lá dentro_ numa qualquer rua de paris, durante 11 dias, chocou-me como poucas. ela saiu de marshalltown para ser alguém, porque era demasiado para aquela terriola, mas chegou ao estrelato e foi demais para esta moça da terriola. onde estará o equilíbrio? onde poderemos viver uma vida em harmonia com o que somos, com o que queremos ser, com o que nos deixam ser? com que cores se pintará o sítio onde não somos julgados por aquilo em que acreditamos e ninguém morre sozinho?)
*David Bowie, Jean genie, 1972

Confissão em tom bowieano

I've nothing much to offer
Theres nothing much to take

I'm an absolute beginner
And I'm absolutely sane

As long as we're together
The rest can go to hell

I a b s o l u t e l y l o v e y o u !

12.5.08

Si ya te ha dado vida, quieres más?

Essencialmente, existiram duas razões pelas quais me deixei encantar pelo filme sobre a vida de Frida Kahlo: uma foi a música da Chavela Vargas, outra foi a loucura da pintora mexicana. Incrível como encontramos, noutras pessoas, refúgio para a nossa loucura, encoberta. Desconcertante como julgamos loucos quem é genuíno e honesto consigo próprio e com os outros e não tem receio de o mostrar. Aquele que diz sempre a verdade é tido como tonto, é o Parvo de Gil Vicente. Único aquele que consegue viver assim, coleccionando rótulos e utilizando-os em composições magníficas longe dos olhares. Essas pessoas são autênticas ilhas, preciosas, por isso raras. A Frida era uma dessas pessoas, mas eu conheço outra. E é minha.

Si porque te quiero quieres, Llorona
Quieres que te quieres más?
Si ya te he dado la vida, Llorona
Qué mas quieres?
Quieres más?

8.5.08

naïf

Segredo-te algumas palavras volatéis ao ouvido e encosto-me ao parapeito da janela a contemplar a tua resposta muda. As maçãs do teu rosto coram apesar da tua vontade. Doce. O sol de agosto aquece-nos as mãos, a claridade do dia semicerra-nos a visão, confere-te uma aura inesperada. Gosto das tardes ociosas e lânguidas, debruçados sobre a vida que temos juntos, sobre o futuro que desenhamos a giz na madeira dos bancos. Segredas-me o teu silêncio e libertas uma gargalhada cristalina. Que todos os dias fossem assim. Prometes? Prometo por tudo o que existe. Tudo, tudo? Tudo vezes mil vezes infinito.

O amor é ingenuidade. O conhecimento e a experiência são as duas irmãs malévolas que obrigam a cinderela a lavar-lhes os pés gordos e mal feitos.
Foto: daqui

6.5.08

Wild is the wind

(love me love me love me, say you do)

Use the Force

Vi, recentemente, toda a famosa saga Star Wars pela primeira vez. Sempre achei que era algo para geeks, que o Darth Vader era rídiculo e os uivos do Chewbacca um mero motivo de chacota. Como estava enganada! Não quero com isto dizer que me tornei uma aficcionada, de todo, não tenho genes de fanática seja do que for. Contudo, gosto de mudar de ideias. É algo que me agrada bastante. Lembro-me, nestas alturas, de um ilustre professor que rejubilava quando sabia que ainda não tínhamos visto um filme ou lido um livro que ele adorava: "Que sorte que vocês têm! Ainda com tanta coisa boa por descobrir." Gostava de ser capaz desta humildade e pedagogia.

Descobri que o Darth Vader é afinal um menino perdido, sozinho, que perdeu a mãe, a namorada e os filhos, assim sem mais nem menos. Já não acho piada à imitação da sua voz ventilada.

Com o Chewie posso continuar a gozar, não me tocou especialmente.

30.4.08

Heartattack and vine ou...

...If you want a taste of madness, you have to wait in line.

Se este senhor abrisse um cabaret com este nome, eu seria uma bailarina cancan chamada Jersey.

29.4.08

wrong perspective


(foi amor à primeira vista, eu e o Tiny. desconfio que ele já cá morava secretamente, debaixo da minha almofada.)

28.4.08

Janis Joplin - Cry Baby

(hoje apetecia-me conseguir gritar assim a minha vontade. dar tudo de mim num só fôlego. e, no final, entregar os braços às asas de pássaros marítimos.)

24.4.08

João Portugal Ramos...


... O fim de semana vai ser passado com ele. Sempre boa companhia, sempre leal, sempre estimulante. Sem desilusões, sem arrependimentos na manhã seguinte. Já nos conhecemos bem.

(este dia cheio de sol trouxe-me à pele os idos verões da faculdade, em que facilmente optava pelo caminho da praia em vez do caminho para a cidade universitária. Liberdade de escolha. Liberdade. Coisa perdida nestes dias.)

23.4.08

Cate

(Tem a graciosidade e o charme de uma estrela da golden era de hollywood. Alguns discretos defeitos que seduzem, atrevidos. Uma voz quente e grave que hipnotiza. Além de tudo, sabe de facto representar. Dá vontade de levar para casa, não dá? Sentá-la no sofá, conversar com ela, servir-lhe Vila Santa e, no final da noite, a surpresa de um segredo revelado... Com jeito, ainda sonho isto tudo hoje)

22.4.08

Natalie


(Há filmes que vi só porque o nome dela estava no elenco. Mesmo não tendo gostado de alguns, ela nunca me desapontou. Se isto fosse o correio do leitor da Maria, retirava-me deixando a questão: serei lésbica? Ainda bem que não é. Detesto dúvidas existenciais.)

Bolor

Tenho a mania das velharias. Muitas vezes dou por mim a rebuscar o passado por coisas que me fizeram feliz na altura. Não faz qualquer sentido, o passado não existe. Eu já não sou a pessoa que fui, no entanto, agora apanho-me nesse equívoco. Vou, por exemplo, procurar um filme que gostei de ver há 10 anos atrás e o mais provável é que já não me identifique minimamente com ele, porém, apenas o visionamento da capa, o relembrar de algumas cenas aquece-me por dentro. A verdade é que estou insatisfeita com a pessoa que sou hoje (com o que faço dos meus dias, pelo menos) e isso catapulta-me para o que fui. O pior é que a catapulta nunca foi um instrumento de precisão e acabo por ter uma aterragem desastrada, num momento indesejado.

Que estupidez! Sou uma vítima da nostalgia, da mais bolorenta e sensaborona nostalgia.

21.4.08

Hound Dog

(às vezes apetece-me disparar, sem piedade ou cuidado, o que as pessoas realmente são. E, em vez de esperar uma incrédula resposta, oferecer a imagem curvilínea das minhas costas. You ain't no friend of mine.)

17.4.08

Livre arbítrio

Vou chegar a casa e fazer a mala. Juntar apenas o que é indispensável à sobrevivência, não há espaço nem tempo para mais. Olhar todas as divisões e escolher um ou dois objectos para me lembrar do que fui. Deixar o resto a preencher as prateleiras, as paredes, os cantos. A casa vai ficar imóvel e silenciosa como outro dia qualquer antes de eu chegar. Desta vez não vou seguir o trilho já demarcado dos meus passos rotineiros. Vou cortar por um atalho novo, sem trilho, sem estrada, sem sentido, sem direcção. Posso seguir qualquer ponto cardeal que asas me crescerão nos braços, barbatanas entre os dedos, guelras por pulmões, tudo o que for preciso para chegar onde quero. As possibilidades que tomam forma na mente são as mesmas que tenho nas mãos. É só escolher.

The great escape - Marillion

16.4.08

Pina

(trazer no gesto, dóceis, os movimentos mais selvagens)

Aracne

As pessoas que vejo todos os dias começam a colar-se às paredes, às portas a fundir-se com as janelas, com as secretárias, a desaparecer por trás dos monitores, das fotocopiadoras. Fazem parte de um quotidiano leitoso e ensimesmado. Começo a não conseguir identificá-las quando penso em retrospectiva o dia de trabalho. Estar com elas ou sozinha é rigorosamente o mesmo, com uma diferença: estava melhor sozinha. Valem-me pequenos momentos de júbilo quando tenho oportunidade de desenjaular um comentário sarcástico e olhos boquiabertos se voltam em uníssono. Desculpa? E, calada, volto ao meu teclado, aos meus papéis, à minha solidão tão arduamente tecida em volta de mim.

14.4.08

Para ver as meninas



(se eu encontrasse um dia a Marisa, dizia-lhe: canta esta para mim, que morrerei feliz. e morria.)

10.4.08

IV


I ain’t got anything to be scared of. O mundo foi feito à minha medida porque quando olho o horizonte e fecho as mãos em círculo, ele cabe lá, de ponta a ponta dentro das minhas mãos. Acho que funciona da mesma forma com as pessoas, se eu as olhar da perspectiva certa compreendo-as, vejo-as por dentro mais intimamente que qualquer radiologista. Por isso tomo toda a gente por garantida e desprezo-as uma a uma, perdendo o tempo necessário com cada indivíduo. Há desprezo mais letal que outro. Destilo o piorzinho porque sou assim desde que nasci, porque acho que o mundo cabe na minha mão e porque as pessoas são folhas de papel aderente à espera de uma superfície onde se possam colar e envolver. Toda a gente quer gente. Ninguém gosta de estar sozinho e atiram-nos isso à cara todos os dias como o cuspo de um miúdo mal-educado. E quem gosta de se ver ao espelho à noite sozinho, sem o abraço de ninguém, sem a mão de ninguém a fazer desenhos abstractos nas minhas costas? Gosto do eco dos meus passos em casa, da música alta e escolhida por mim, do pacote de cereais aberto há demasiado tempo porque me apeteceu deixar de gostar daquela marca. Gosto do mesmo destinatário em todas e cada uma das cartas, do único par de chinelos à porta, da minha cama que é grande demais para duas pessoas quanto mais para o meu corpo a desenhar arestas nos lençóis. Não tenho que ter medo de nada porque não há nada a temer no mundo. Vivo com a solidão aos pés e a morte ao ouvido. Nada há a temer senão aquele sol radioso com gargalhadas infantis que a vida me atira violentamente contra as persianas fechadas.

Foto: Ana Franco/Olhares

9.4.08

Perfide Manon



Esta interpretação a mim basta-me para compreender a Brigitte, a Jane e outras tantas que se enlaçaram nos braços de Gainsbourg. Apesar de tudo.

8.4.08

IX


Levo-te no bolso na forma de um bombom que me deste. Nem acreditei quando me estendeste a mão e li com muitos vermelhos e dourados: Serenata de Amor. Que foleirice é esta? É foleiro, mas é giro, é kitsch!_ disseste como uma criança que acabava de verbalizar uma palavra nova. Tinhas a mania de seguir as tendências, defeito que te apontava não raras vezes. Sempre estipulei que uma pessoa que se deixa levar por modas não tem a cabeça certa, bem definida, não sabe quem é. Que raio quer dizer kitsch? Nos últimos anos já se vulgarizou, mas naquele dia em que a disseste parecia vir ainda com cheiro a novo, acabado de sair dos escaparates da língua inglesa. Tu também não sabias responder, formulaste uns exemplos pouco coerentes e no final disseste, isto é kitsch. Continuo sem saber, como calculas. Oh, és sempre tão quadrado! E assim terminavas este tipo de conversas, fazendo-me sentir 20 anos mais velho, com um robe de flanela aos quadrados e chinelos acima do meu número. O novo tem um brilho que esmaga qualquer argumento. Apesar da discussão semântica, guardei o bombom da discórdia no bolso com um sorriso agradado. Que fosse a coisa mais foleira ou kitsch, significava que te tinhas lembrado de mim e isso era tudo.


Foto emprestada daqui

7.4.08

Remar

Sigo-te sem olhar para trás, sem deixar pedras a marcar o caminho. Quero que esqueçamos um possível regresso. Somos assim. Não há para onde regressar. A tua revolta é a minha ainda que com cor e gesto diferentes. A tua voz é o meu farol. Guia-me, a noite (a vida) é nossa.

19.3.08

Cativa


Guardei as melhores memórias, calcei as luvas e levei-te pela mão como um cicerone numa casa de fantasmas. Não gostaste e choraste de raiva pelo chumbo que te atei aos pulsos para impedir que me acenasses a despedida. Querias ir embora e eu não te deixei, eras minha cativa. Contra o céu e as montanhas eras capaz de tudo, porém contra mim ficavas indefesa porque me amavas. O café de todas as manhãs era tomado sem açucar para relembrar que o doce já não existia e que a partir de agora usávamos as mãos nos bolsos e o olhar furtivo na porta em caso de fuga iminente. Não querias ir embora, eras minha cativa. O letreiro a pedir ajuda que os teus olhos desenhavam para onde quer que olhasses começou a não chegar às pessoas. O sol não nasce para ti, a aurora não é para ti, nada no mundo existe para ti. Só eu. Somos nós como sempre fomos e o sempre não acaba nunca. Deixaste a pele em sangue, arranhaste-me o rosto para conseguires esquecê-lo, mas eras tu que agora cuidavas das cicatrizes. Mudas de ideias como quem muda de canal, mas há muito que perdeste o controlo da tua mente. És minha, minha cativa.


(...)

17.3.08

Remember me

...With you my life, my life
Has been so wonderful
I need your love
I need you to hold
All day and all night
Remember me
Don't ever forget me child
We are all only here
Just for a little while
Please, please, remember me...*

Desejar que os dias passem direitos como uma flecha apontada ao coração. Querer olhar para trás sem ser apanhado nessa fraqueza. Mas diz-me, não moramos todos sob o jugo dos mesmos quereres? A bala que disparaste ao teu futuro fez ricochete e juntou-nos. Ainda bem.

*Otis Redding by Cat Power

10.3.08

Perdoai, que eles não sabem o que fazem

Morrer-te nos braços como quem sobrevive a um pesadelo interminável.
Querer agarrar os dias à força de rédeas invisíveis que há muito escorregaram dos dedos.
As mãos já não semeam, plantam ou colhem, são estéreis como a pedra macia que me nasceu no peito.
Querer agora que passem cem anos num segundo, fechar os olhos com força e desejar-te aqui, agora que já não queres.
Olhei-te com tanto sangue que me esvaí a teus pés e ao teu desprezo.

Liberta-me do chão onde me deixaste entranhar. És tu a culpa e o sol que me acordam de manhã.

it doesn't matter if we all die.

A vida às vezes é filha da puta, mas essa tal puta, coitada, com tantos rebentos por esse mundo fora, não tem a culpa da vida que eles escolheram.

6.3.08

Uma jovem turca que deseja correr para uma vida de sexo drogas e rock n' roll, longe dos pais demasiado rigorosos. Um homem esgotado por esse mesmo tipo de vida que parou de viver no momento da morte da sua esposa. Um casamento por conveniência. Um amor que floresce de um terreno de cimento e cal. Uma paixão que excede todos os limites. Uma catástrofe. O dia nasce desta vez com ele na prisão e com ela a tentar-se suicidar (encore une fois). Separados. Os anos passam, com ambos enjaulados na sua solidão, o amor sobrevive, mas o tempo tudo leva, tudo transforma e nada é como dantes.

Porém, Cahit renasceu das cinzas e Sibel nunca mais se tentou suicidar.

(foi a sinopse possível_ nunca as soube fazer, uma de várias tentativas e muitos adjectivos truncados, para completar o teaser. mas nada como ver o filme, até porque há imagens intraduzíveis ou mesmo inomináveis)

5.3.08

Trust (does anybody these days?)

Robert Smith na sua pálida e negra criatividade existe para semear um caminho de melancolia por onde quer que passe. Lisboa com certeza não será excepção no próximo dia 8. Espero de mãos postas juntar-me à procissão dos enfermos e prevejo que os sintomas da doença se prolonguem, pelo menos, até meados do mês. Desejo as melhoras a médio prazo aos meus pares e a tumba para quem não sabe do que estou a falar. No hard feelings.

there's no-one left in the world that i can hold on to. there is really no-one left at all. there is only you.

4.3.08

Contra a parede


If you want to end your life, end it. You don't have to kill yourself to do that.


Gegen die wand/ Head on - 2004

Hoje à noite vou relembrar isto e confirmar por que razão me senti completamente impelida por uma força superior a raptar esta preciosidade dos escaparates da fnac. Há filmes que deixam marca a ferro na pele e nas entranhas. este é um desses.

25.2.08

hoje não


uma menina levada pela mão da mãe, fixa-me de uma forma que me incomoda. demasiado séria para uma criança, demasiado triste. a mãe pára no quiosque e faz conversa com a vendedora. a menina continua a fixar-me, como se a minha presença ali, naquela esplanada, a intrigasse. como se o cigarro na minha mão fosse um estranho dispositivo e o jornal à minha frente uma bomba relógio pronta a explodir. olhava-me com pena, como se não quisesse que eu fizesse a bomba explodir. por favor. como se estivesse a mendigar a sua vida e a das outras pessoas que nos rodeavam. baixei a cabeça. como renunciar a um pedido tão sincero, tão terno? levantei os olhos e a sua expressão era como uma carícia da sua mão infantil no meu rosto áspero. apaguei o cigarro, levantei-me e deixei a bomba em cima da mesa a pulsar uma explosão eminente. que outra pessoa mais corajosa desafie o olhar daquela menina e faça explodir o mundo por mim. hoje não consigo.

20.2.08

Chan Marshall



Parece que esta gaiata vais estar novamente entre nós. Batam em latas! Estalem chicotes! Que desta vez vamos estar juntas! (na mesma sala pelo menos). Admiro-a sobretudo pela simplicidade. Pela forma como é linda, como canta, como compõe, como leva a vida, como sussurra you are free, como se vicia em tudo, como erra, como ser complexo que é e, ainda assim, como consegue ficar perfeita de franjinha, cara lavada, sardas e um campo de flores por trás. Sou assim todas as noites nos meus sonhos.

18.2.08

Chuva


Gosto de adormecer com o barulho da chuva a bater na janela. Gosto de acordar e ficar na cama a ver as gotas serpentear nos vidros. Gosto do nó no estômago feito do medo infantil que ainda tenho dos trovões. Gosto de calçar as botas, vestir a gabardina e sair à rua com o vento a atirar-me a chuva com força. Gosto de pisar as poças que os outros evitam. Gosto de chegar a casa encharcada, despir a roupa molhada e esquecer-me de tudo debaixo do duche quente. Sou uma criatura do inverno. Sou mais eu quando chove.

14.2.08

Porque o Dylan diz muito mais que esse tal de Valentim



...Now, little boy lost, he takes himself so seriously
He brags of his misery, he likes to live dangerously
And when bringing her name up
He speaks of a farewell kiss to me
He's sure got a lotta gall to be so useless and all
Muttering small talk at the wall while I'm in the hall
How can I explain?
Oh, it's so hard to get on
And these visions of Johanna, they kept me up past the dawn...

7.2.08

castigo dos deuses

A memória é o maior castigo da humanidade. Se nos lembramos de bons momentos a saudade entranha e faz perguntas que mais parecem percevejos, se nos lembramos de momentos maus sobe à garganta a angústia sentida nesses tempos e fica mais um dia estragado como um iogurte fora de prazo.
Se eu não estava bem melhor só com o meu presentezinho, sempre fresco, sempre acabado de viver e sem pó ou teias de aranha a atrapalhar-me os movimentos.

Quer-me parecer que assim provavelmente seria um peixe, sempre perdida algures num oceano inteiro para descobrir porque sem memória suficiente para saber onde já tinha estado. Dory?

31.1.08

Hoje à noite vamos estar juntos...



22h, no Cine-teatro Joaquim d'Almeida, Montijo

30.1.08

nostalgia da infância


Acolhida por um sentimento no mínimo nostálgico, dei por mim a rebuscar o youtube por episódios da ana dos cabelos ruivos. Lembro-me dessa altura como quem se lembra de bolos quentes a sair do forno e de banhos longos com gargalhadas infantis e a casa de banho cheia de poças de água e espuma. Hoje sou eu que acelero os banhos, porque já estão a demorar muito tempo. Sou eu que limpo as poças e resmungo entredentes. Naquela altura achava a minha mãe uma chata por fazer isso. Não quero ser chata. Será tarde demais para não querer ser adulta?


Alguém um dia me disse que quando ouve falar de nostalgia de infância leva imediatamente a mão à carteira. Hoje é um desses dias. Não confiem em mim, que eu estou com a cabeça enfiada no baú das recordações.

28.1.08

A propósito

O sérgio faz-me lembrar que gosto de estar apaixonada por quem estou. Que a vida é bonita. E que os amores são o olhar cúmplice no brinde da noite.

A vida que tudo arrasta, arrasta os amores também. Uns dão à costa, exaustos, outros vão mais além, navegadores só solitários dois a dois, heróis sem nome e até por isso heróis.
Os amores são facas de dois gumes têm de um lado a paixão, doutro os ciúmes. São desencantos que vivem encantados como velas que ardem por dois lados.

Aos amores!


(desordeiros irresistíveis deleituosos entranhantes verdadeiros evitáveis buliçosos como dantes bicolores transgressores impostores cantadores)

Depois da dor, como conservar a inocência? Leia um bom livro, legue as lágrimas à ciência e parta o vidro em caso de necessidade. Deixe o seu coração ir em liberdade.

Brindemos aos amores!

(adaptação livre de Aos Amores - Sérgio Godinho)

19.1.08

Inocência

Pra que mentir
se tu ainda não tens
Esse dom de saber iludir?
Pra quê?! Pra que mentir
Se não há necessidade de me trair?
Pra que mentir, se tu ainda não tens
A malícia de toda mulher?
Pra que mentir se eu sei que gostas de outro
Que te diz que não te quer?
Pra que mentir

Tanto assim
Se tu sabes que eu já sei
Que tu não gostas de mim?!
Se tu sabes que eu te quero
Apesar de ser traído
Pelo teu ódio sincero

Ou por teu amor fingido?!

Texto: Noel Rosa
Foto: aqui

Às vezes olho por cima do ombro ou escuto uma conversa entrelinhas (ou ligo a tv) e pergunto-me com que pedra e com que cal se constróiem as relações nos dias de hoje.

16.1.08

(Il est) un soir d'éte

O Jacques Brel chegou. E é tal qual uma noite de verão no meu janeiro.

12.1.08

Beauvoir e Sartre


O que seria dos grandes pensadores, poetas e artistas do século XX se vivessem, como nós, num tempo em que não se pode fumar onde se quer?
Penso que a tão conhecida metonímia "cigarro pensativo" seria pobremente substituída por um café pensativo ou até, para os mais saudáveizinhos, por um néctar de manga laranja pensativo.
Alguém já pensou no bem que o esfumaçar cigarros faz à mente humana? Que enegreçam os pulmões, p'lo bem do intelecto!

9.1.08

Pequenos Castigos


Tenho saudades de ir ver um espectáculo de dança. O último que vi, há demasiado tempo, foi da Olga Roriz. Comovi-me. Espantei-me. Deslumbrei-me. Primeira fila, claro, a seguir todos os pormenores dos bailarinos, a ouvir-lhes a respiração, a ver-lhes o suor, a sentir-lhes a rush de estar num palco. Cheguei a sentir até inveja, não do que faziam, mas do que sentiam naquele momento. Tenho saudades. Quando puder, hei-de voltar a vê-los.

Às vezes apercebo-me, com surpresa, de alguns pequenos castigos que aplico a mim própria, inconscientemente. Como por exemplo, esquecer-me do que gosto realmente de fazer. Ou não fazer nada pelos meus sonhos, senão sonhá-los.

6.1.08

Desalinho

Há pessoas que sabem o que querem. Olham para o futuro e vêem um desenho nítido, a cores, com definição digital e som surround. Olham para o presente e têm o asfalto debaixo dos pés, uma estrada sóbria, com as linhas bem definidas, com contraste. Está identificada com um número e por isso perfeitamente individualizada em relação a todas as outras existentes. Ao longo do caminho existem placas acabadas de pintar com hierarquia de importância e instruções precisas: vai por aqui, não vás por ali, abandona isso, agarra aquilo, diz que sim, diz que não e por cima destas sempre uma a indicar em letras garrafais a direcção da Felicidade.
Essas pessoas estão perfeitamente incluídas (ou absorvidas pela) na sociedade: vestem-se como é suposto vestirem-se, dizem o que é suposto dizerem e pensam o que é suposto pensarem. Têm por princípio pensar em e nunca pensar sobre. Pensam em trabalho, na família, nos amigos, na namorada, em sexo, em férias, mas não se conhece nenhum caso de sucesso em que a fronteira tenha sido ultrapassada. O pensar sobre é um crime social porque está perigosamente ligado à mão no queixo, ao raciocínio, ao perceber a ligação entre os acontecimentos, questioná-los. Não se questiona nada quando se está no caminho para a Felicidade: casa e carro a prestações, marido, filhos e um PPR que é só vantagens.

Eu sou uma pessoa que não sabe o que quer. Portanto nada do que disse atrás se aplica à minha realidade. Olho para o futuro e vejo nevoeiro denso, opaco mesmo. Olho para o presente e há poeira num trilho de areia em que há pedra, silva, vala, montanha, vento e tempestade. Tenho a roupa colada a suor e pó ao corpo e os ténis sujos e rasgados.
Nunca vi uma placa. Às vezes tentei, como os antigos, decifrar augúrios divinos no vôo das aves ou nas tripas de um animal atropelado, mas nada de revelador.
As minhas incursões na sociedade têem sido feitas pela porta das traseiras, às escondidas e sem ter bem a certeza se era ali que queria estar. Mas como me vesti do avesso, não consegui permanecer muito tempo sem ser descoberta e expulsa.
Muitas das decisões que tomei na vida foram às cegas e sem saber o que me esperava do outro lado da porta. Às vezes era apenas uma porta pintada na parede, mas eu mesmo assim corria para ela. Tinha esperança até ao último minuto que ela se fizesse porta e se abrisse para mim. Só porque sim. Só pela esperança … Essa, surpreendentemente, nunca desentranhou.

eu não quero estar parado. fico velho. vou marchar até ao fim. isolado. nesta marcha solitária. dou o corpo ao avançar. neste campo aberto ao céu.
ninguém sabe para onde eu vou. ninguém manda em quem eu sou. sem cor nem deus nem fado. eu estou desalinhado.