25.11.08

La frontière de l'aube - Philippe Garrel- 2008

De quando em quando pensa-se o que afinal de contas se anda aqui a fazer debaixo do sol, na maior parte das vezes, saracoteada pelo vento e pela chuva, na menor parte. Quando se levanta o véu da rotina e se olha por baixo para ver o que de facto se passa cá dentro pode ser assustador. Nós, andarilhos durante o dia, trabalho casa, casa trabalho (sendo que o tempo em casa é para descansar do trabalho do dia e temer o trabalho do dia a seguir) ficamos viciados nas funções cerebrais que usamos diariamente e esquecemo-nos das outras. Que outras? Tudo o resto. O cd que se quer ouvir, o filme que se quer ver, a conversa que se quer ter, o abraço que se quer dar, o prato que se quer cozinhar(?), o amor que se quer dar, tudo coisas absolutamente viscerais para nos sentirmos vivos e que são colocadas num quase inconsciente hold indeterminado. Quando damos por nós, não tendo alimentado o coração e o que resta de uma gana meio esquecida, temos um buraco negro em vez destes orgãos vitais. Que fazer então a este sal que não salga? Recentemente vi o último filme de Garrel: La frontière de l'aube e devia ter caído logo em mim como uma revelação, mas não caiu logo, caiu mais tarde. E uma revelação tardia, devo admitir, tem um sabor ainda mais apurado. Havia uma mulher que fazia o que queria, que amava quem queria, que tinha o que queria. Enlouqueceu. Suicidou-se. Havia um homem que amou essa mulher, teve tudo o que quis, mas quando ela enlouqueceu ele não quis e afastou-se. Ela voltou dos mortos e assombrou-o na sua culpa muito viva. Suicidou-se. O que tem isto a ver com o início do meu raciocínio? O seguinte: se eu tivesse a vida que queria o que queria e de repente o homem que eu amasse me abandonasse e eu ficasse a olhar as paredes e a gritar aos meus ouvidos, suicidava-me. Por outro lado, não tendo tudo o que quero, não fazendo quase nada do que quero, mas tendo a pessoa que quero, esqueço-me de viver. Vantagens: lembrei-me agora. Desvantagens: será que ainda vou a tempo?


Este texto confuso e quase imperceptível para os seres que vivem fora da minha cabeça, nem a mim me fez sentido depois de uma segunda leitura, contudo, soube-me bem escrevê-lo, assim com um leve mas assertivo sabor a redenção. e, god knows, eu estava mesmo a precisar de uma.


20.11.08

Julianne Moore in Blindness, 2008

peixe morto

Para quê tudo isto? Quando reduzidos à condição original não somos mais que animais. Para quê explorar o raciocínio se ele nos leva ao abismo? E eu sempre tive vertigens, sempre senti um desejo intestino de saltar e nunca consegui.
Se eu apanhasse uma gaivota e a comesse a cru, com penas bico patas sangue e tudo? Se eu fizesse isso era mais humana por responder aos instintos ou era mais animal? E se eu lhe desse um tiro de uma distância educada e a embalsamasse? ao menos não sujava as mãos. E a única diferença é essa: as mãos limpas de sangue, as unhas asseadas, o obrigado, o com licença, o livro debaixo do braço, a vida arrumadinha dentro da carteira, é isso que me mantém do lado de cá.

Ou do lado de lá?

De que lado estou eu agora que escrevi estas palavras?

3.11.08

o passar dos dias range-me nos ossos e flui-me nas veias. sinto o tempo agora mais do que em qualquer outra altura da minha vida. atingi um ponto em que acho que sou adulta. e acho isso com a maior das certezas com que se pode achar. no entanto, hoje o dia é



indiferente.



mais indiferente do que qualquer outro três de novembro desde 1981. naquele tempo festejavam o meu aniversário. não digo que hoje não sou feliz (esse tipo de etiqueta simplesmente não se cola à minha pele), não me revejo num fósforo frio nem no mofo que se entranha no tecto, mas o aniversário pessoano é hoje o meu também, por tudo o resto.