Lisboa aparece-me debaixo dos passos. É mais um daqueles sonhos em que ando incansavelmente. Percorro ruas que conheço bem, mas que ali não sei aonde vão dar. Lisboa é, na maior parte das vezes, o cenário. Já cirandei pelo Porto, também. A conseguir controlar estes percursos oníricos, daria a volta ao mundo em sensivelmente 80 sonhos, a julgar pela velocidade de cada um. Isto de andar a reler os sonhos dos outros, esta ideia admirável do Tabucchi, fez-me sonhar com os outros sonhos dos outros. O sonho de Fernando Pessoa jogava com a sua heteronímia e o de Toulouse Lautrec com o Moulin Rouge e a utopia da beleza. O que seria o meu sonho descrito pelo Tabucchi? Não sou ninguém. Não tenho nenhum traço que as pessoas possam identificar. Seria talvez em Lisboa, como este está a ser. Estou na rua de São Bento, desço pelo Passos Manuel e vou dar à Calçada do Combro. Compro um livro na livraria brasileira e pago com um botão que se descosera do casaco. O Tabucchi bem me segue, com um bloquinho em riste, mas ainda não encontrou nada que valesse a pena. Sinto-me pressionada, terei de fazer uma pirueta ou escrever um livro de pé enconstada a uma cómoda. Onde vou encontrar uma cómoda a estas horas no Chiado? Sim, já chegámos ao Chiado. Sento-me com Pessoa. Não suporto estar aqui, resmunga. Deixa-te estar, ao menos o Tabucchi já escreveu o teu sonho. Penso: isto tem de dar uma reviravolta, não posso só andar aqui de um lado para o outro. Levanto-me de repente da mesa e, quando olho para os pés, a terra treme e percebo que estou em 1 de Novembro de 1755. O Fernando levantou-se primeiro do que eu e já ía a correr em direcção ao Cais do Sodré, mas depois percebeu que vinha um tsunami e vejo-o a correr pela Trindade acima. Receio ter escolhido um cenário demasiado catastrófico, não há sinal do meu persecutor. Ando calmamente entre as gentes em pânico, até porque isto é um sonho, não há propriamente risco de morte, e gozo este poder estranho. As pessoas não reparam em mim, provavelmente serei invisível neste corpo só metafísico. Mas duvido logo quando me sinto sacudida por alguém: é o Tabucchi, e tem a boina torta e o pouco cabelo desgrenhado, o que me aflige. Estás louca? Porque é que nos trouxeste para aqui? Vamos morrer! Não, isto é só um sonho. Vim para aqui, achei que era mais interessante que vadiar pelo Chiado no séc. XXI. Isto não é um sonho, além disso já perdi a caneta e o bloco, já não posso escrever mais nada sobre ti. Já tinhas escrito alguma coisa? Claro, já estava praticamente no fim, um dos mais brilhantes sonhos alheios que já escrevi.
E pronto. Os meus sonhos, como quase tudo na minha vida, correm sempre mal por alguma má decisão que tomei, precipitada, pelo caminho.
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