10.2.10

plain song

Sempre me obriguei a ser alguém que não era. quero dizer: nunca soube muito bem quem era, no fundo, daí achar sempre que estava a fingir. Quando me falavam sobre mim soava-me sempre estranho e descabido, não por falta de sensibilidade das outras pessoas, mas porque eu própria não me reconhecia. Não me conheço. Não sei os meus limites. Não prevejo as minhas reacções. Adoro conhecer e falar com pessoas que são 100% seguras de si, absorvo tudo o que posso e às vezes acho que consigo ser assim, mas é tudo camuflagem, postiço. De fora para dentro. Na verdade é isso: sou camaleão: imito o que me rodeia. Se for preciso sou descontraída, desbocada, brejeira; noutra situação serei formal, pudica, diplomática. Não sei qual das duas me é mais natural. Volto a dizer, não me conheço. Quando tentamos viver em paz connosco próprios e com as pessoas que fazem parte das nossas vidas estes solavancos agigantam-se. Colossais monumentos ao que não devíamos ser (e intrinsecamente somos).
O verso do António Variações "são tudo fantasias que o cinema projectou no meu olhar" veste-me à medida. Sendo "o cinema" tudo o que vi(vi) ao longo da vida, as pessoas, as situações, os problemas, os filmes, os romances, os poemas, as palavras que esbarram quando somos rios a querer desaguar... Tenho a sensação de que sou um molde construído de fora para dentro, sem nada de meu cá dentro. deve ser normal. deve ser normal não querer viver isto de vez quando.

1 comentário:

elle astelle disse...

ser, simplesmente, requer um acto de negligência para com isto tudo cá fora , que a nossa consciência sabe tão bem acolher. Ser , simplesmente , é dar a perder propositadamente essa consciência das coisas que nos rodeiam , e erguer vitoriosamente um eu tão intenso como comum. Acredito que matar essa consciência seja como matar um animal indefeso.