uma menina levada pela mão da mãe, fixa-me de uma forma que me incomoda. demasiado séria para uma criança, demasiado triste. a mãe pára no quiosque e faz conversa com a vendedora. a menina continua a fixar-me, como se a minha presença ali, naquela esplanada, a intrigasse. como se o cigarro na minha mão fosse um estranho dispositivo e o jornal à minha frente uma bomba relógio pronta a explodir. olhava-me com pena, como se não quisesse que eu fizesse a bomba explodir. por favor. como se estivesse a mendigar a sua vida e a das outras pessoas que nos rodeavam. baixei a cabeça. como renunciar a um pedido tão sincero, tão terno? levantei os olhos e a sua expressão era como uma carícia da sua mão infantil no meu rosto áspero. apaguei o cigarro, levantei-me e deixei a bomba em cima da mesa a pulsar uma explosão eminente. que outra pessoa mais corajosa desafie o olhar daquela menina e faça explodir o mundo por mim. hoje não consigo.
25.2.08
20.2.08
Chan Marshall
Parece que esta gaiata vais estar novamente entre nós. Batam em latas! Estalem chicotes! Que desta vez vamos estar juntas! (na mesma sala pelo menos). Admiro-a sobretudo pela simplicidade. Pela forma como é linda, como canta, como compõe, como leva a vida, como sussurra you are free, como se vicia em tudo, como erra, como ser complexo que é e, ainda assim, como consegue ficar perfeita de franjinha, cara lavada, sardas e um campo de flores por trás. Sou assim todas as noites nos meus sonhos.
18.2.08
Chuva
Gosto de adormecer com o barulho da chuva a bater na janela. Gosto de acordar e ficar na cama a ver as gotas serpentear nos vidros. Gosto do nó no estômago feito do medo infantil que ainda tenho dos trovões. Gosto de calçar as botas, vestir a gabardina e sair à rua com o vento a atirar-me a chuva com força. Gosto de pisar as poças que os outros evitam. Gosto de chegar a casa encharcada, despir a roupa molhada e esquecer-me de tudo debaixo do duche quente. Sou uma criatura do inverno. Sou mais eu quando chove.
14.2.08
Porque o Dylan diz muito mais que esse tal de Valentim
...Now, little boy lost, he takes himself so seriously
He brags of his misery, he likes to live dangerously
And when bringing her name up
He speaks of a farewell kiss to me
He's sure got a lotta gall to be so useless and all
Muttering small talk at the wall while I'm in the hall
How can I explain?
Oh, it's so hard to get on
And these visions of Johanna, they kept me up past the dawn...
7.2.08
castigo dos deuses
A memória é o maior castigo da humanidade. Se nos lembramos de bons momentos a saudade entranha e faz perguntas que mais parecem percevejos, se nos lembramos de momentos maus sobe à garganta a angústia sentida nesses tempos e fica mais um dia estragado como um iogurte fora de prazo.
Se eu não estava bem melhor só com o meu presentezinho, sempre fresco, sempre acabado de viver e sem pó ou teias de aranha a atrapalhar-me os movimentos.
Se eu não estava bem melhor só com o meu presentezinho, sempre fresco, sempre acabado de viver e sem pó ou teias de aranha a atrapalhar-me os movimentos.
Quer-me parecer que assim provavelmente seria um peixe, sempre perdida algures num oceano inteiro para descobrir porque sem memória suficiente para saber onde já tinha estado. Dory?
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