16.1.09

Bílis

A contas com este espírito renovador de ano novo chego à questão que muitas vezes me pica os miolos insistentemente: como é que se esquece? Não me refiro ao varrer para debaixo do tapete que eu logo quando tiver mais paciência (ou mais maturidade) lido com isto. Também não é, obviamente, apagar a existência do sucedido, isso seria um caso agudo de amnésia. É antes nunca mais lembrar se ninguém perguntar. E, de tanto não lembrar, quando surge a pergunta, já está num substrato inofensivo. Arrumar dentro da gaveta e fechá-la sem pontas de fora. Como é que se faz isso? Terei propensão para "arrastar cadáveres"? O Miguel Esteves Cardoso escreveu uma crónica sobre como esquecer (amores), mas não me revi na especificidade do assunto, porque eu quero esquecer tudo, quero esquecer o mundo de anteontem com celebrações dionisíacas e não enlutada por fora e com os lábios pintados por dentro.


A psicanálise às vezes devia ser despejada pelo cano abaixo, já que tudo se poderia resolver dentro de um vocabulário muito mais simples: sou rancorosa. por isso não esqueço. a minha bílis segrega quantidades lancinantes de rancor. tenho dificuldade em perdoar e até (para não dizer principalmente) a mim própria.


Nem todos somos Narcisos apaixonados pelo nosso reflexo, às vezes ele reflecte mais do que a pele que nos cobre e somos confontados com a mais pura fealdade sem qualquer pudor. E que fazer com ela? Disfarçá-la? Escondê-la? Não. Primeiro que tudo há que trazê-la à vida, trazê-la connosco à rua e depois, estoicamente, matá-la.


Eis as provas dispersas do meu primeiro crime.

12.1.09

He came dancing across the water

Partilhar a mesma almofada há tanto tempo dá nisto: contágio irreversível. Comecei por achar a voz do Neil Young efeminada, depois apenas fraca, até que hoje a comparo a uma chama periclitante numa vela cujo rastilho já pouco tem por arder... mas continua a arder, há 40 anos de carreira. A sua voz é hoje um pouco da minha casa. Tem, a par da Joni Mitchell, o poder raro de me conseguir aconchegar no seu timbre. Entranhou-se. Mas tanto tanto que até dói.
(E falo apenas de timbres e sons e melodias, para falar das letras teria de discorrer sobre os poderes ancestrais da poesia. Aqui não dá.)
Obrigada por isso e por todo o tijolo, cimento e lágrima. E o que eu queria mesmo, com toda a força com que se pode querer e crer, era dar tanto quanto recebo. Aí tudo seria perfeito.

A t-shirt e boné à sem-abrigo, o esquecer-se sequer de olhar para o público, a pura curte de estar a tocar com os amigos e alongar a música até aos 11 minutos, só aumenta o grau de dependência.

3.1.09

young neil

Hello cowgirl in the sand... Is this place at your command? Can I stay here for a while? Can I see your sweet sweet smile?

maldita

A maldita melancolia de inverno-dezembro-fim-de-um-ano-início-de-um-novo-dia-chuvoso chegou e aconchegou-se descaradamente ao meu colo. Assim mesmo, sem ser sequer convidada para entrar quanto mais para estas intimidades. Nem mesmo com o meu ar indignado, perturbado até, e sucessivos suspiros impacientes ela se manca. A melancolia é mesmo assim, não se presta à boa educação, quando acha que deve entrar em cena, entra com tudo. Agora resta-me não deixá-la acomodar-se demasiado, ir dando as dicas para ela ir cochilar para outro lado, caso contrário estou feita. Vou recomeçar as minhas lides profissionais a arrastar-me pelos corredores, não quero isso, já basta que me apeteça fazer isso o ano todo, não quero efectivamente fazê-lo. Seria terrivelmente sincero da minha parte. E a sinceridade, como toda a gente sabe, já não se usa. Ite.