(José Gomes Ferreira por Mário Viegas, no tempo em que a poesia ainda se declamava e o público se sentava em silêncio e ouvia. Não sou saudosista, mas há coisas e pessoas que me custam a perda como a morte de alguém querido)
27.6.08
24.6.08
Pagú
No meu primeiro blog, há alguns anos, prestei-lhe homenagem. À minha maneira, fantasiei alguns textos sobre episódios da sua agitada vida. Recriei a sua viagem pelo mundo, sozinha, durante a qual privou com o último imperador chinês (sim, o mesmo do filme); reinventei o seu sofrimento nas 23 vezes em que foi presa (uma delas durante 5 anos); ensaiei os seus projectos e protestos políticos; amei Oswald, amei Geraldo; imaginei-a perdida pelas ruas de Paris, estrangeira, comunista, refugiada e finalmente deportada para o Brasil; arranjei lugar em mim para o cancro que lhe tirou a vida aos 52 anos. Vivi-lhe a vida por algum tempo, senti-me a Patrícia Galvão a atravessar as primeiras décadas do século vinte com uma audácia e inteligência incomparáveis.
Tenho, por algumas mulheres, a atracção e admiração que seria esperável ter apenas por homens. Não se trata de uma confissão, mas antes de uma constatação. E constato isso como quem descobre um talento novo.
19.6.08
Cilício
Há dois pólos de ignorância. Aqueles que são natural e visceralmente ignorantes, sabem que o são e não se preocupam minimamente com isso. E no fundo do poço a crescer com os vermes a surdir do musgo enlameado das paredes há o ignorante que incha o peito e diz que não o é, anuncia-se, au contraire, no outro extremo. Escusado é dizer que prefiro e relaciono-me melhor com os primeiros. Os segundos instilam-me uma vontade de me fazer Gulliver em terra de liliputianos e esmagá-los sem piedade com a sola de um sapato arrogante de verniz preto.
(quanto a mim, podem encontrar-me a meio do poço, como quem sabe que é ignorante mas tenta a todo o custo não o ser, esbracejando furiosamente para se manter à tona juntamente com os iluminados mas apenas a tocar-lhes com as pontas dos dedos nos calcanhares)
Custa-me, como me custaria usar um cilício diariamente, ver o Fernando Pessoa nas bocas do mundo, a babarem citações que tiraram da internet e do Livro das Citações, como se fosse uma puta da Rua Suja pronta para toda a ordem e serviço.
13.6.08
12.6.08
Dolls
Em 2003 vi este filme de Kitano e pensei, na ingenuidade dos meus 21 anos: o amor existe.
Alguns anos mais tarde, revi a mesma película e concluí: a dor existe.
e existe sempre, apesar de tudo. apesar do amor, apesar da felicidade. resiste a tudo. a dor é a barata persistente que resistirá a uma catástrofe nuclear e repovoará a face do planeta num roçar de antenas.
(o facto de as personagens serem meros títeres é demasiado óbvia e demasiado reincidente neste caderno para ser comentado. no entanto, a dúvida de quem/o que titereia, mantém-se)
9.6.08
A dança da solidão
Em tom de nesta data nada querida, fica aqui a música que deu o mote a este blog. Há um ano atrás.
6.6.08
Gente cá de casa
Entrou em casa a uma hora inesperada, como sempre, sacudiu as gotas de chuva do casaco e tirou-o, cuidadoso. Pousou a mala a tiracolo, retirou lá de dentro o jornal impecável, descalçou-se com alívio e olhou-me articulando um sorriso meio ensaiado meio espontâneo. Sorri de volta, agradada por tê-lo perto. Deu umas voltas pela casa, preparou uma bebida quente, beijou-me e disse boa tarde com carinho. Tomou um duche, trocou de roupa, sentou-se no sofá e perguntou-me o que estava a fazer. Nada, estava à tua espera. Então, com um ajeitar dos óculos, aconchegou-se no sofá, relaxado e começou a dissertar sobre os males do mundo como ninguém.
(Nunca li nenhum livro do Luiz Pacheco, nem mesmo as entrevistas organizadas pelo George, mas tenho-lhe, por outra via, uma familiaridade caseira. daquelas que toleram pijamas foleiros, cabelos despenteados, mau-humor matinal e outros acepipes)
3.6.08
De volta...
Foi então que conheci Teresa, em toda sua intensidade e doçura - pois Teresa também era isso: doçura. Ela parecia bossa-nova. Parecia uma música de Tom Jobim. E por que é que eu também não fui feliz? Bobagem achar que a vida cabe num verso, cabe no bolso, cabe no espaço que sobra entre dois corpos quando nenhum espaço parece separá-los.
in Um Beijo de Columbina de Adriana Lisboa
in Um Beijo de Columbina de Adriana Lisboa
... ao pó dos livros, ao caos das letras, ao rasto dos versos de Bandeira, à Teresa, ao António, à Marisa, ao parco foco de luz na secretária. De volta a ti, Adriana.
Agora somos só nós e a folha branca.
Comecemos.
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