24.3.09

eu sei que já disse

mas estou apaixonada pela cat power, colocando assim na mesa de jogo uma heterossexualidade que eu até julgava estar garantida. quero, no entanto, deixar o cuidado de não encararem estas minhas verdades como confissões. daqui a pouco já posso estar apaixonada por outra qualquer.

se eu fosse lésbica, era uma lésbica quenga (e não uma quenga lésbica). ainda bem que não sou, a minha mãe não ía gostar nada.

Vertigem

Viajamos num balão de ar quente. A viagem já começou há tanto tempo e ainda estamos presos à vertigem de olhar para baixo, da proximidade das nuvens. Ainda rodamos à procura de novas perspectivas, mas quase não há alterações em qualquer dos ângulos. Viajamos no balão de ar quente juntos e quase não olhámos um para o outro. Quase não nos apercebemos de que estamos tão próximos e tão sozinhos. Viajamos com a cabeça pendurada para fora quando devíamos olharmo-nos nos olhos e sentir a viagem juntos. Quando começou a viagem? Não sei. Já perdi a referência de tempo e de espaço. O sol vai circulando, a lua também. A paisagem vai mudando. Rios, montanhas, mar, sereias, serras, vales, abismos, monstros, sonhos, campos, estradas que desprezamos por não precisarmos delas. Estamos no ar, a viajar num balão de ar quente e nem reparei se te comoveste quando subimos, voamos juntos e nem reparaste se estou com medo de cair. Quero olhar para ti mas a vertigem atrai-me. Não consigo desviar os olhos incrédulos da distância do chão, da imagem do meu corpo a esmagar-se violentamente contra o solo, do som do teu grito terrível, da sensação dos meus ossos a estilhaçarem-se como vidro. E a viagem continua.


17.3.09

a minha Danae*


Olhar olhar olhar olhar. Gastar e esgotar o acto na sua consumação ad nauseam. Decorar-lhe as linhas, aprender-lhe as cores, saber a obra de cor(ação). Depois escrever e falar sobre ela. Foda-se.
*era mais simples quando era só minha e não tinha que partilhá-la com ninguém.

6.3.09

A Ana Franco fotografa-me os sonhos.

Ciro e os lídios

Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais, uma vez no cativeiro, dão evidentes sinais do conhecimento que têm da sua desgraça e deixam ver perfeitamente que se sentem mais mortos que vivos, continuando a viver mais para lamentarem a liberdade perdida do que por lhes agradar a servidão. (...)
Esse estratagema com que os tiranos embrutecem os súbditos está, mais do que em qualquer outro lado, explicitado no que Ciro fez aos lídios depois de se ter apoderado de Sardes. Fundou nela bordéis, tabernas e jogos públicos, mandando apregoar um decreto em que obrigava os habitantes a frequentá-los. Tão bons resultados teve esta guarnição que foi desnecessário daí em diante levantar a espada contra os lídios. Os desgraçados divertiram-se a inventar toda a casta de jogos.*

O ser humano não tem, na sua natureza, a liberdade.
E esta é uma das constatações mais tristes que fiz até hoje.

*in La Boétie, Discurso sobre a Servidão Voluntária