A primeira vez que me olharam dentro, estremeci. Senti que o campo velado que tão formiguinhamente construí foi estilhaçado de uma só investida. Fiquei nua e exposta a um estranho e detestei a sensação. Mas compreendi que foi uma rendição justa. Uma batalha sem luta, cavalo de Tróia a ser descoberto apenas quando já o sentia nos meus ecos interiores.Que interiores complexos se escondem atrás destas máscaras que envergamos todos os dias? Disparo cavalos de Tróia em todas as direcções na esperança de que algum me volte, dócil e obediente, com o segredo de alguém no seio. Por vezes é uma tarefa dificultada por escudos levantados a tudo o que vem do exterior. Há muros levantados sem se saber muito bem porquê. Mas também há frágeis véus, quase transparentes, mas que nos engodam na sua fluidez, acabo por me enlear em camadas de transparências que juntas, formam a mais cega das opacidades. Confesso que essas são as mais desafiantes e recompensadoras: desenlear os véus, um a um, desfazer os nós, pacientemente, com cuidado para não desfiar a fragilidade da organza. Chegar ao último véu e perceber que as primeiras transparências eram as mais enganadoras, pintavam de branco o que era negro, transfiguravam prantos em sorrisos rasgados. Tão perto que estão os dois. Os olhos não sorriem quando há pranto dentro. Hoje passearam-se tantos prantos suspensos por frágeis pinças numa linha de seda. Há que ser rajada de vento e sacudir essas linhas, abrir as pinças e semear prantos pelo mundo.
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