13.6.07

Perdida entre as l i n h a s


Finisterra. Paisagem e povoamento: Juntar palavras.

Prefiro a outra, que se vê da janela. As dunas, o deserto: linhas mais suaves.
E sabe-a de cór?
Passei a vida a olhá-la. Que lhe parece?
Cap. XXIX, pg.121

Ouviste?
Ouvi.
Sentiste?
Senti.
Viste?
Vi. Como nunca antes vira.
Então descreve-me tudo isso.
Não posso. O silêncio que humedece as paredes colou-se à minha pele, entranhou-se na garganta e encarnou a palavra por proferir.
O silêncio, sempre o silêncio. Mas porquê?
Porque o revérbero pode ou não surgir no meio de uma tempestade.
E o fogo?
O fogo é... a mudança.
Temes a mudança?
Não. Temo o fim. Habitamos o fim da terra, podemos muito bem habitar o fim dos tempos também.

As palavras no romance de Carlos de Oliveira são pensadas e proferidas como se algo sagrado fosse desprendido a cada fôlego. Nenhuma delas cai num vazio de sentido, são antes habilmente dadas a colher pelo leitor eleito. Em algumas passagens, chegamos mesmo a sentirmo-nos iludidos e pensamos ler poesia em vez da prosa devida ao romance, tal é a subjectividade que experimentamos.


Na brevidade de cada capítulo, somos transportados para um universo narrativo entre o sonho e uma realidade a cada momento questionada. Encontramo-nos entre gisandras que tão depressa são flores, trepadeiras, leite curandeiro ou simples presença certa; enveredamos por áleas mais escuras, ou mais verdejantes, sempre com receio que a floresta se incendeie ou que o revérbero primordial exale uma luz que os nossos olhos não possam suportar. Há sempre um perigo que aguarda lá fora, fora da casa, para lá do halo protector (?), lá onde não se pode fechar as portadas e onde a imutabilidade do quadro pendurado na parede é substituída pela imprevisibilidade das dunas e pelo caotizar lento de um jardim.


Apaguemos a casa, entremos dentro da câmara escura (a penumbra vermelha, os reflexos de sangue nas chapas, nos banhos das cuvetes, cap.XXX), que lá poderemos fotografar a nossa realidade e não ser surpreendidos pela imagem emergente da chapa que, lentamente, rouba ao líquido a definição das suas formas.


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