25.6.07

Mão no queixo: Licenciatura = emprego??!

Afinal o que é preciso fazer para ter um emprego hoje em dia? Por emprego, entenda-se: executar uma função que tenha minimamente a ver com o que andaste a estudar a vida toda, ser justamente pago para isso, ter um contrato que te providencie uma série de regalias que não são mais do que direitos básicos, tipo seguro saúde, férias, segurança na trabalho, etc. Começo a pensar que é uma meta reservada para uma pequena elite escolhida pelos deuses do Olimpo depois de aturada reflexão e demorado sufrágio.

O que acham? Posso dar-vos o meu exemplo pessoal, só para cismarem um pouco sobre o assunto. Até aqui, só porque não quis entrar na carneirada de licenciados em línguas que seguem a carreira de professores de liceu, já trabalhei em três lojas de roupa de senhora (convém salientar o género que atendia, porque as gajas são muito mas muito mais cabras que eles), numa imobiliária, num bar e num escritório (onde desempenhava a desafiante tarefa de introduzir dados num computador). A ordem cronológica não é a apresentada, mas isso também não interessa nada agora.

A par destes eventos, fui seguindo o meu percurso académico, ou seja, terminada a licenciatura, descansei um ano e depois entrei para o mestrado. Teimosa! Um mestrado em Literatura! "Para que é que isso serve?" é a pergunta que oiço mais vezes. Porque a maior parte das pessoas acha que se andámos na faculdade então temos de ser ou médicos ou advogados ou engenheiros ou então professores. Pois. Ainda se aceitam profissões ditas mais "modernas" como jornalista, tradutor ou agente de turismo, mas já se franze o nariz a estas. Quando digo que a maioria das minhas colegas seguiu a carreira de professora e eu optei por não fazê-lo, sou recebida numa hecatombe de espanto: "Não?! Mas porquê? O que é que vais fazer??" Quando digo que gostaria eventualmente de seguir carreira académica respondem-me com um, "ah pois, só se for isso" com um neonizante "Não faço ideia o que isso quer dizer!" escrito na testa. Enfim, já começo a estar habituada.

O pessoal de letras é e sempre foi descriminado, olhado de lado, encarado como os gajos que fugiram à matemática no liceu e pronto. Ainda te podes pôr em pontas dos pés e acenar com uns livritos dizendo que gostas mesmo daquilo, a sério, é mesmo isto que gosto de fazer... Mas não adianta! És arrumado nessa prateleira para sempre, quer caibas, quer não. Por essas e por outras, quando me perguntam que curso tirei, reduzo o extenso e pormenorizado Línguas e Literaturas Modernas, variante em Estudos Portugueses, para um seco: Literatura Portuguesa, ou, para algum público menos exigente, Letras! assim facilito ainda mais o rotulamento e vou direitinha para a prateleira sem mais nem quê.

Assim sendo, concluo amargamente, já praticamente a desfalecer sobre um balcão de um bar qualquer em decadência alcoólica, que: meus queridos amigos, nunca na vida terei um emprego daqueles que descrevi no início. Pelo menos, não por mérito próprio. Já que tenho sempre a alternativa de simplesmente rebaixar-me ao chão que piso e andar ó tio, ó tio, para arranjar um tacho qualquer numa câmara ou noutro organismo estatal qualquer. Mas vamos assumir que tenho como princípio não perder a dignidade. Por enquanto. O desespero um dia pode falar mais alto. Nunca digas desta água não beberei. Pronto, e agora que já salvaguardei qualquer eventual desenvolvimento que a minha vida profissional possa levar, posso despedir-me, com um sorriso no rosto: "Boa tarde e volte sempre!", que foi como me ensinaram a fazer!

11 comentários:

PV disse...

Por elementar caridade com os seus "irmãos em academia" a menina podia não ter antecipado a incontornável questão! (on the other hand... touché!)

Rosa disse...

De incontornável não passaria, meu amigo. Ela vai bater-te à porta, mais tarde ou mais cedo (já agora, aconselho: que seja o mais tarde possível ;))

CP disse...

"Por emprego, entenda-se: executar uma função que tenha minimamente a ver com o que andaste a estudar a vida toda, ser justamente pago para isso, ter um contrato que te providencie uma série de regalias que não são mais do que direitos básicos, tipo seguro saúde, férias, segurança na trabalho, etc."

"Ser justamente pago" - mas isto é alguma vez possível seja em que área for?

querercoisasimpossiveis disse...

Se isto está mau para os licenciados, imaginem para os não-licenciados (sim, porque esses também são gente!).
Por muito que custe admitir, Portugal ainda é aquele país onde a cunha ainda está viva e recomenda-se e quando se tira um curso de letras, ou se tem um "padrinho" ou se vai para...professor!
A vida é injusta mas outra coisa não seria de esperar. Há pessoas que por razões financeiras nem conseguem terminar um curso, quanto mais ter um bom emprego. Os licenciados sempre têm mais hipóteses.
Será que ser professor é assim tão mau? Ao que sei, ganham cerca de 850 euros líquidos (nos primeiros anos, depois é sempre a subir, mesmo que seja um professor de Trabalhos Manuais do 5º ano) e só trabalham 4/5 horas por dia, ou seja, é como se fosse um part-time.(bem sei que têm que preparar as aulas, corrigir testes e trabalhos, etc. Mesmo assim, é tudo muito melhor do que ficar enclausurado num call center oito horas por dia e ganhar muito menos!)
Se tivesse tirado esse curso não me importava de ser professor, porque isso seria apenas o começo da carreira e dar-me-ia o dinheiro e o tempo suficientes para investir noutros projectos mais ambiciosos e aliciantes.

Carapaus com Chantilly disse...

Eu ainda consigo pintar esse cenário ligeiramente mais negro.Imagina que anuncias à pessoa que tiraste uma licenciatura em história. Aí, além daquela cara do «outro que se enterrou com um curso que não serve para nada», ainda tens o lado complementar que é olharem para ti com aquele ar condescendente de quem olha para nós e pensa «Não sabias fazer mais nada, não é? Fixar datas é facil, pois compreendo». São geralmente o tipo de pessoas que dizem: ah, História, é tão giro, achava tanta piada ouvir falar dos reis...».

ML

CP disse...

Querercoisasimpossiveis:
Lamento informar-te mas isso do "sempre a subir" quanto à carreira docente não é bem assim e, muito provavelmente, nos próximos tempos só ficará é pior. Se tivesses dito que os professores universitários têm uma vida "asssim-assim" ainda concordava contigo, agora professores do secundário ou abaixo (mesmo de trabalhos manuais) não têm uma vida assim tão boa, isto se pensarmos que são eles os responsáveis pelos futuros cérebros do nosso país. A carreira docente é uma das mais mal pagas hoje em dia e sim, para mim, ganhar 1000 euros por mês (que é o que ganha um professor com agregação à zona) é ganhar muito pouco tendo em conta as horas de trabalho, a responsabilidade que se tem e o que se tem de aturar.

Também não me importava de ser prof. se bem que, tal como a rosa, optei conscientemente por outro caminho. Ao contrário dela já me arrependi dessa minha decisão mas mais vale não chorar sobre leite derramado.

Tal como disse anteriormente "Ser justamente pago" é algo que me parece não acontecer em Portugal seja em que área for.

"Os licenciados sempre têm mais hipóteses." - Diz isso à senhora do Centro de Emprego e Formação Profissional que me negou dar formação adicional porque já não tenho idade e porque, em teoria, tenho formação académica superior. Aprentemente o facto de não ter trabalho não quer dizer absolutamente nada. Para todos os efeitos, no que concerne ao Estado, eu estou no limbo. Se por um lado as minhas habilitações superiores não me permitem inscrever em trabalhos que são, pelos vistos, considerados menores (mas que eu n me importava de fazer), por outro lado a minha formação superior não me permite realizar trabalhos mais técnicos para os quais necessitaria mais formação adicional que por sua vez não ma podem dar porque tenho formação. Interessante não é?

querercoisasimpossiveis disse...

CP, o que dizes é interessante, mas tenho que insistir na ideia de que os licenciados têm mais hipóteses. Será sempre muito mais difícil para uma pessoa sem curso superior, vir a fazer o que gosta e vir a ser bem pago para isso.Se não concordas com isto, podes sempre rasgar o teu diploma e desistir do centro de emprego que eu arranjo-te trabalho na TvCabo a ganhar 2.32 Euros à hora (e nessa altura falamos sobre "a responsabilidade que se tem e o que se tem de aturar").
Não digo que ser professor é a melhor profissão do mundo, só digo que é melhor do que nada e é definitivamente melhor do que a maior parte das profissões que os portugueses têm.
Parece-me que não estás a par dos ordenados que se pagam por aí. Ainda no outro dia estive a falar com uma senhora de 44 anos que trabalha numa sapataria. Pagam-lhe 500 Euros por mês e tem contrato de empregada de balcão embora na realidade, seja ela que gere a loja, negoceia com fornecedores, atura tudo e mais alguma coisa que tenha a ver com a loja (que faz parte de uma multinacional), e quando as coisas correm mal, lá tem que aturar os empresários que só aparecem quando o negócio não vai muito bem. Trabalha mais horas que um professor, tem também muitas responsabilidades e...agora disseram-lhe que existe a possibilidade de a loja fechar e não sabem se têm colocação para ela. Trabalha lá há vinte anos. Interessante, não é?

"Se por um lado as minhas habilitações superiores não me permitem inscrever em trabalhos que são, pelos vistos, considerados menores (mas que eu n me importava de fazer)"

Caro CP, arranjo-te trabalho amanhã se quiseres. Garanto-te que as tuas habilitações não serão um problema. Será que não te importas mesmo de trabalhar num trabalho "menor"?

CP disse...

:P
jovem não menosprezo a minha licenciatura de modo algum. Fiquei foi surpreendido quando o Estado me deu com a porta na cara quando lhe propus que me desse formação extra numa área "profissionalizante" na qual tivesse mais à vontade,isto porque a minha formação era, pelos vistos, claramente insuficiente para que me tornasse uma criatura socialmente produtiva ao invés do "parasita social" (expressão utilizada por uma prof. minha há muitos anos atrás para me caracterizar a mim e a alguns colegas)sanguessuga do pai e das pessoas que trabalham para alimentar a sociedade.

Quanto à oferta:
Neste momento posso afirmar que faço algo que me agrada mesmo muito. O que recebo não dá para almoçar todos os dias mas enfim... Vai-se arranjado maneiras de ir dando para o necessário.

O mais "bonito" é que enquanto o Estado só via em mim e na minha formação debilidades e impossibilidades, alguém do sector privado viu potencialidade.

Novamente digo que, para mim, não há ninguém (salvo os directores da EDP, CORREIOS DE PORTUGAL, BANCO DE PORTUGAL, CGD, ETC.) que ganhe o que eu considere justo tendo em conta aquilo que faz.
E sim, fazer o que se gosta é praticamente impossível. Por experiência própria vejo e sinto na pele todos os dias que para continuar a fazer o que gosto terei de aprender a não dormir e a arranjar maneira de ocupar (com remuneração) as outras 10 horas que me sobram do dia... mas tenho esperança que a coisa mude e que um dia venha a ganhar o justo tendo em conta o trabalho que faço.

Mas digo também que acho indecente saber que um dia, se conseguir ser assim mesmo mesmo MESMO bom naquilo que faço, poderei vir a ganhar mais que um Médico ou que um Professor.

Estamos de acordo se disseres que um licenciado tem oportunidade de aspirar a um trabalho mais bem remunerado num futuro que pode nunca se concretizar. O que te digo é que, assim à partida, quem tirar um curso "profissionalizante" como os há nos centros de emprego em vez de ir queimar pestanas para as universidades tem, à partida reafirmo, maior facilidade de entrada num mercado de trabalho.

Quando falo em "trabalhos menores" coloco as aspas justamente por saber que é assim que a sociedade os vê. Trabalho é trabalho. Para mim um trabalho realmente menor só o de político pela baixeza que representa. Pena que, tal como tantos outros, seja um trabalho necessário à existência democrática e minimamente estável de uma sociedade. Pena também que poucos políticos sabem o trabalho que fazem e fazem por merecer o estatuto que têm.

Outro dos problemas da nossa sociedade prende-se também com a carreira de investigação que simplesmente não existe. Se queres ser investigador tens de ser professor universitário (de preferência!). Ora, ser prof. universitário é impossível porque não há lugar logo a carreira de investigador fica...onde? E assim se perdem pessoas com potencial para o estrangeiro ou para outros trabalhos nos quais irão ser, muito provavelmente, óptimos profissionais e nada mais.

Rosa disse...

Licenciados,não licenciados, por licenciar... enfim. Parece-me a mim que estamos todos insatisfeitos ou lixados. Gostava de dizer algo mais conclusivo e sobretudo mais apaziguador, mas não me parece que seja possível neste estado de sítio em que a sociedade/governo/estado (whoever) nos colocou.

Carapaus com Chantilly disse...

Rosa falou e disse.
:P
CP

Cataclismo Cerebral disse...

Entristece-me o facto de se seguir um percurso académico (medida que o Governo tanto incentiva, pois é necessário mão de obra qualificada) e depois sermos completamente deixados à deriva, sem qualquer perspectiva futura positiva. O sonho de tirar o curso que se gosta é uma ilusão, porque nem todos são garantia de trabalho; quase somos obrigados a adoptar uma atitude algo cínica e escolher um curso que nos garanta um futuro, independentemente do nosso gosto. E isso é tão frustrante!

Bjs